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Religiosamente

Bastidores e curiosidades do mundo religioso

Perfil Anna Virginia Balloussier é jornalista.

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Convenção das bruxas, dos vampiros, dos golfinhos...

Por annavirginia
04/12/13 18:24

– Quantos anos você tem?

– Depende.

– Como assim depende?

– Tenho 29. Mas, quando estou no personagem, são 350.

– Personagem?

– Eu era um rapaz do interior da Espanha. Aí apareceu um conde e me transformou em seu vampiro servo.

– Servo?

– Pra ser vampiro, não é só morder, que nem nos filmes de Hollywood. A gente fica como servo por 50 anos. Depois, se o vampiro que te transformou gostar, você continua vampiro. Ou ele mata você.

– Mas por que seu senhor te mataria?

Não é que ele esteja dando com a língua nos falsos dentes pontiagudos. Rodrigo olha pra mim como se dissesse “duh”: o que vai falar a seguir é tão óbvio que cansa sua beleza imortal, ressaltada pela cabeleira negra como graúna e por uma blusa vermelha com esvoaçantes babados no peito e na ponta da manga comprida.

– Claro, ou teríamos uma epidemia de vampiros, né?

Ele foi um dos participantes da 4ª Mystic Fair São Paulo, que aconteceu de sexta (29) a domingo (1º) no Transamérica Expo Center, na zona sul de São Paulo.

O pavilhão uniu adeptos de credos tão expansivamente agrupados sob o guarda-chuva do misticismo. No Censo de 2010, perguntadas sobre religião, 74.013 pessoas declararam seguir “tradições esotéricas” (0,04% da população). Estima-se, no entanto, que o número de simpatizantes engrosse muito esse caldo.

Mystic Fair

Rodrigo é um cara de família: está lá com mãe e mulher, seguidoras da religião wicca e vestidas a caráter –o que me faz pensar em animadoras de festa infantil caso o mago Paulo Coelho tivesse filhos.

A matriarca Regina, 47, ex-professora de ensino primário, porta um chapéu longo e pontudo. Ela se define como “bruxa do bem” e diz trabalhar “com coisas ligadas à natureza”.

O clã expôs no pavilhão uma amostra da loja Profecias, sediada na Galeria do Rock, no centro de São Paulo.

Pelo site da lojinha, você pode comprar vales de R$ 1 a R$ 1.000 para seu presenteado gastar em artigos como o livro “História Oculto do Satanismo – A Verdadeira História da Magia Negra (R$ 41), a adorável xícara de chá com desenho de gato preto (R$ 28) ou a baby look estampada com uma bruxinha na vassoura voando sobre a frase “garotas boas vão para o céu… e as más vão aonde querem” (R$ 22).

Já eu fui ao galpão para dar de cara com um homem fantasiado de golfinho, roupa feita de pelúcia azul. Andava por ali fazendo propaganda do stand Florais Golfinhos –um pessoal que fabrica essências marinhas e organiza tours para nadar com esses mamíferos aquáticos de “energia alto astral”.

 

BISCOITO CHINÊS

O problema para quem frequenta feiras esotéricas é que de vez em quando aparece uma jornalista metida a besta que talvez, nos anos 1990, tenha sido fã do filme “Jovens Bruxas” e usado um daqueles “anéis mágicos” que mudam de cor conforme o sentimento da pessoa.

Agora, contudo, talvez se você tentar vir com um papo de “xamanismo quântico” ou de golfinhos “balanceadores de energia”, ela erga a sobrancelha como se estivesse diante de um ser do outro planeta.

O que não seria tão absurdo assim, porque talvez ela tenha acabado de ter a mão lida por um mago do “comando estelar” que evoca uma tal de “fraternidade branca e intergalática”…

Minha mão, lida pelo mago Scarceli

Minha mão, ‘lida’ pelo mago Scarceli (foto Gabriel Cabral/Projetor)

Talvez, num outro dia qualquer, essa jornalista metida a besta fosse eu. Mas, como disse meu último biscoito da sorte chinês, preconceito é uma prática terráquea bem azedinha. E, para esse batalhão acostumado a ser alvo de chacota, dá sempre pra tirar da manga a máxima que Miguel de Cervantes fez seu Dom Quixote declamar no século 17:

Yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay.

Rita Lee cantou a mesma bola nos místicos anos 1970, em “Yo No Creo Pero” (“segura a barra/ a bruxa está solta/ não dê moleza/ ela pode estar na mesa”).

Quem não dá moleza para preconceitos contra sua religião é Claudiney Prieto, 36, idealizador da Mystic Fair e fundador da AbraWicca.

“Ser bruxo no Brasil é compreender que a pluralidade é uma realidade universal. Com tantos caminhos religiosos se considerando únicos no país e tentando impor suas visões aos não praticantes, a wicca apresenta a flexibilidade e o respeito a todos os caminhos.”

Claudiney, que também se chama Lughson (“significa filho de Lugh, deus celta do sol”), diz ser “elder”, uma espécie de PhD da bruxaria. Estudou filosofia na faculdade, mas logo abandonou. “Digo que fui enganado. A universidade não é aquilo que você imagina. Achava que ia estudar mitologia…”

Muitos visitantes da feira estão paramentados (falou-se até de vikings na área). Ele passaria batido.

Combina jeans e camisa Lacoste preta, com um grande jacaré na estampa. No pescoço, um círculo de prata representa o “deus tubarão, o mais poderoso da cultura havaiana”. No pulso direito, uma tatuagem com hieróglifos que homenageiam Antinous, amante preferido do imperador romano Adriano, no século 2 (“o deus da homossexualidade sagrada”). No outro braço, um relógio laranja-cheguei.

Claudiney, o Lughson, idealizador da feira (foto Gabriel Cabral/Projetor)

Claudiney Prieto, o Lughson, idealizador da feira (foto Gabriel Cabral/Projetor)

Já chegou a hora de fazer estereótipos sumirem, mas Claudiney sabe que isso não acontecerá num passe de mágica. “Quem anda de chapéu não é wicca de verdade. Ser bruxo é tão sério quanto ser um padre ou um monge. Claro que pessoa excêntrica há em todo lugar. Não tem aqueles católicos que se flagelam?”

Pouco antes, o “elder” falava sobre descobrir seu “animal de poder” para cerca de 50 pessoas sentadas em cadeiras de plástico brancas (daquelas que se compra para receber amigos de sunga e pochete num churrasco em volta da piscina), numa baia improvisada com divisórias típicas de escritório.

Alguns estranham o misticismo que paira sobre o centro de exposições. Fernando, 19 anos, estudante de informática com cabelos ondulados divididos no meio estilo Caetano Veloso anos 1970, não parece confortável.

Descalço, de jeans e camisa desbotada com o logo da Guess gritando no peito, ele cuida do stand para o pai enquanto ouve Soundgarden pelo fone de ouvido.

A família vende diários de viagem com capa de couro (de R$ 15 a R$ 70). Lá o público alvo pode ser uma bruxa à procura de caderno para anotações, exemplifica Fernando –que diz não ser “um cara dali”.

Foi ele quem me falou “de uns vikings do outro lado” do pavilhão (perdi essa).

 

VEJA BEM

Outro que se considera um pouco forasteiro: Carlos Maurício Prado.

“A gente não tem nada a ver com pajé, leitura de mão…”

Ele seria mais, aí sim, um cara de visão: tenta emplacar a “yoga para os olhos”.

Os principais produtos de sua barraca eram o óculos da tal yoga (R$ 90) e o livrinho de “ginástica cerebral” (R$ 40).

O primeiro é um óculos sem lente com vários buraquinhos em forma de pirâmide. O rapper Kanye West usa modelo vazado parecido, mas duvido que com o mesmo propósito zen-ocular.

“A luz passa pelos furinhos e modifica a forma como incide nos olhos. Você precisa exercitar a vista para enxergar”, explica o “professor Carlos”, que jura não usar óculos de grau há 15 anos (“tinha 2,5 de miopia”).

Engenheiro químico que desistiu da profissão, o carioca também é entusiasta da “brain fitness”. Nas páginas de seu produto, garante, há uma série de exercícios para fazer com que os lados esquerdo (da razão) e direito (emoção) do cérebro parem de disputar ping-pong um contra a outro.

Aconselha beber muita água (“é a gasolina do cérebro!”) e massageia a testa com dois dedos, mais ou menos como Daniel San treinava encerando paredes em “Karatê Kid”.

Por e-mail, na mesma noite, me envia a prática:

PONTOS POSITIVOS – Durante 1 minuto, massageie, no centro da testa, acima dos olhos, pontos da acupuntura, neurovasculares. Isso aumenta o fluxo de sangue no lóbulo frontal, a parte rica e nobre do cérebro. Excelente para rapidez de raciocínio, planejamento, criatividade. Também evita o branco na hora da prova. A massagem pode ser no sentido horário ou anti-horário, conforme a preferência de cada pessoa.

Conforme a preferência de cada pessoa. Eis uma boa frase para resumir o espírito do feirão cósmico-intergalático-xamânico-quântico.

Afinal, você pode até não acreditar em diversidade religiosa. Pero que las hay, as hay.

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Ex-gay, ex-ex-gay e a tal da 'cura gay'

Por annavirginia
29/11/13 19:46

Sérgio Viula era um menino que amava meninos. Entrou na puberdade e se apaixonou por um amigo. Com esse primeiro namoradinho, iniciou a vida sexual.

Aos 16 anos, Sérgio era um rapaz que amava Jesus Cristo. Seduzido pelo papo da colega de trabalho, passou a frequentar uma igreja evangélica. A família, daquelas de formação bem “catolicona”, se converteu junto.

Um ano depois, ele se casou com uma moça da igreja. Era como se os desejos homoafetivos tivessem sido trancados no armário, no fundo da gaveta de meias, dentro de uma pastinha cor-de-rosa onde se lia: “PERIGO”.

A união durou 14 anos e gerou dois filhos. Nesse período, ele se formou e se pós-graduou em teologia. Virou “ex-gay”, pastor batista, líder do Moses (Movimento pela Sexualidade Sadia) e, como tal, feroz crítico de alas mais liberais da igreja.

Sem conversa: Deus reprovava “a intimidade entre iguais”. Deu na Bíblia. Mais precisamente no texto de Levítico. Lá consta: homens que se deitam com outros homens praticam uma “abominação” e precisam ser executados (coordenadas dessa batalha naval: Lv 20:13).

Em 2002, Sérgio era um homem que não amava Deus. Na verdade, sequer acreditava nele. Era ateu. Ateu e gay. Ou “ex-ex-gay”.

Chegou à conclusão que, se a humanidade precisava ser tratorada por tanto sofrimento (no seu caso, o fracasso em reprimir a atração por homens), restavam três alternativas sobre Deus:

1) Não é todo-poderoso

2) Não é bom

3) Não existe de modo algum

Ficou com a última. Como líder do Movimento pela Sexualidade Sadia, afinal, conheceu apenas um gay “curado”. “E ele tinha sempre a gaveta cheia de antidepressivos.”

O caso de Sérgio, agora professor de inglês numa escola particular do Rio, foi um dos que mais marcou a jornalista Marília de Camargo César.

Por dois anos, ela entrevistou líderes evangélicos, de denominações tradicionais a igrejas inclusivas (que aceitam gays). Conversou com cristãos gays e “ex-gays”, fora psicólogos, filósofos, profissionais da saúde e pais de homossexuais.

O resultado está no livro “Entre a Cruz e o Arco-Íris – A Complexa Relação dos Cristãos com a Homoafetividade” (Ed. Gutenberg, R$ 29,90).

A obra conta a saga de Sérgio, o “ex-ex-gay”, mas são bem variados os caquinhos desse mosaico. Você conhece também histórias como a do ex-padre, da ex-prostituta ou a de Saulo Navarro.

O mineiro Saulo, bancário de 44 anos, foi acolhido numa igreja em Curitiba como alguém que “estava” homossexual.

Hoje, tem sete anos de casamento com uma mulher, uma filha e a certeza de que “cura gay” pode até não ser o que o médico lhe receitou, mas com certeza funcionou para ele.

Saulo conta: “Deixar anos de prática homossexual exigiu de mim cura das feridas da alma, foi um processo gradativo que levou seis anos. Se tivessem me prometido mudança instantânea e isso não ocorresse, eu poderia ir embora por não ver meus desejos e vontades transformados de um instante para outro e, pior, poderia desacreditar do maravilhoso Evangelho de Cristo”.

 

FERIDOS

A jornalista Marília trabalha no “Valor Econômico” e tem passagem por veículos como TV Globo e “Gazeta Mercantil”. Em 2010, saiu seu livro “Marina: a Vida por uma Causa”, sobre a ex-senadora Marina Silva –evangélica que nem a biógrafa.

Marília vem de uma família protestante. Hoje, após alguns anos afastada da religião, vai à Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo.

“O recorte na comunidade evangélica tem uma razão –sou evangélica! Minha vivência me leva a questionar muitas coisas dentro da igreja”, diz.

Seu primeiro livro, “Feridos em Nome de Deus” (2009), vendeu mais de 20 mil cópias. “Justamente pelo olhar investigativo de uma questão que aflige muitos cristãos –o abuso de autoridade do pastor sobre a vida de suas ovelhas.”

“Entre a Cruz e o Arco-Íris”, segundo a autora, “é meio que um ‘Feridos’, só que sobre gays”.

Há no Brasil 28 igrejas inclusivas registradas (Almeida Rocha/Folhapress)

Abaixo, um bate-papo com a autora.

O livro fala de um “mosaico de histórias profundamente humanas”. Qual história mais te impressionou?

Dois depoimentos me marcaram muito: o de um professor de inglês carioca que se tornou ateu, depois de ter sido pastor evangélico e líder de jovens numa igreja do Rio de Janeiro, e o de um pastor conhecido nacionalmente, que fez um desabafo emocionado sobre o dia em que seu filho mais velho admitiu ser gay.

Como avalia, depois dessa experiência, propostas como a “cura gay”?

A tentativa de “cura” gay vem de longa data. Na década de 1940, por exemplo, o neurocirurgião português António Egas Moniz, ganhador do Nobel de Medicina, aplicava a técnica da lobotomia –que consistia em cortar um pedaço do cérebro dos doentes, mais precisamente nervos do córtex pré-fronta– para tentar “curar” pacientes homossexuais.

Na Suécia, 3.000 gays foram lobotomizados nesse período. Na Dinamarca, 3500 –a última cirurgia foi em 1981! Nos Estados Unidos, cidadãos portadores de “disfunções sexuais” lobotomizados chegaram às dezenas de milhares.

Ocorre que há um grande número de pessoas que sofrem por sua orientação sexual homoafetiva –chamados pela psiquiatria de egodistônicos. Esse sofrimento nem sempre está relacionado a questões de fé. Para essas pessoas, deve haver espaço de acolhimento e cuidado nos consultórios terapêuticos, sem promessas de “cura”, e isso está em linha com o que prevê a tão debatida resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia.

A resolução, que causou tanta polêmica,  não proíbe o “tratamento” daqueles que sofrem, mas é, na verdade, uma forma de evitar que os psicólogos cristãos utilizem o consultório como púlpito, tentando “converter” pacientes, o que é obviamente antiético.

E métodos de “cura”? Testemunhou alguma tentativa? 

Não presenciei nenhum, mas sei de igrejas que fazem sessões de exorcismo, por crerem que todo homossexual na verdade está tomado por um ou vários demônios.

Há aquelas que fazem campanhas de jejuns, para que a pessoa seja “liberta”. Isso é comum. Alguns dos personagens do livro relatam ter realizado toda sorte de sacrifício para se ver livres da inclinação homoerótica, obtendo vitórias temporárias. A maioria que optou pelo caminho da heterossexualidade afirma ter de  “matar um leão por dia” para manter-se assim.

Qual a dimensão, no Brasil, das igrejas inclusivas, que aceitam gays?

As chamadas “igrejas inclusivas”, que fizeram uma releitura liberal das passagens bíblicas condenatórias da homossexualidade, crescem em ritmo espantoso,  a despeito do escândalo e das reações violentas que suscitam. Em todo o país, há registradas 28 dessas comunidades. Há seis anos, não havia nenhuma. É pouco, se comparado aos EUA, por exemplo, com cerca de 6.800 congregações inclusivas registradas.

No livro, você diz que a Bíblia fala de sexo de forma erótica e explícita. Como a homossexualidade é abordada nela?

“Que a sua boca me cubra de beijos, pois o seu amor é melhor do que o vinho! Leve-me com você, depressa, seja o meu rei e leve-me para o seu quarto, amado meu, descansa sobre os meus seios.”

Esta passagem não foi tirada de ‘50 tons de cinza’, mas do livro de Cantares de Salomão, uma das mais lindas poesias eróticas jamais escritas. Está no Antigo Testamento.

Da mesma maneira que fala do relacionamento sexual entre um homem e uma mulher de maneira poética e erótica, a Bíblia condena explicitamente e com todas as letras a prática homossexual. Isso pode ser encontrado em diversas passagens tanto do Antigo quanto do Novo Testamento.

A interpretação das passagens sempre foi clara –a prática homossexual é considerada um pecado. Ocorre que, como lembra o pastor Ricardo Barbosa, o pecado é um conceito teológico, e não sociológico ou antropológico. Diz respeito a Deus, à criação, à crença de que as Escrituras Sagradas são a revelação de Deus aos homens.

Você diz: “O céu é festa para o qual só heteros são convidados”. Afinal, há convite pra mais gente agora?

Esta frase, tirada da apresentação do livro, era uma questão íntima minha, para a qual eu buscava a resposta. Não, o céu, ou a dimensão existencial que a Bíblia chama de o Reino de Deus, não é exclusiva para héteros, mas para todos. O convite para a festa é para todos, mas aceitar esse convite tem implicações profundas na vida de cada um.

Há aqueles que ao encontrar essa nova dimensão espiritual perceberam não ser possível conciliar sua fé com a prática homossexual e a abandonaram, casando-se, tendo filhos, e adotando um comportamento heterossexual, sem, contudo, perder a orientação homoafetiva.

Há quem critique essas pessoas, argumentando que negar a própria sexualidade é violentar-se. Talvez se esqueçam que a espiritualidade também é um elemento estruturante do ser.

Quanto a haver maior abertura, sim, creio que existe uma leve disposição de aceitar a condição homoafetiva nas igrejas evangélicas, de algumas poucas comunidades que estão tentando olhar para essas pessoas sem julgá-las, mas isso ainda é um movimento incipiente no Brasil.

Encontrou resistência ao abordar o assunto com evangélicos?
Por parte de alguns pastores, lideranças respeitadas no universo evangélico, que se recusaram a dar entrevista para o livro, talvez por temerem posicionar-se a respeito desse tema, que realmente é muito espinhoso. O pastor Silas Malafaia foi um desses líderes que, mesmo após muita insistência e espera paciente de minha parte, não quis falar.

Rosania Rocha e Lanna Holder: casadas, elas abriram uma igreja para gays na av. São João, em SP (Eduardo Anizelli/Folhapress)

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Um rabino, um homem, quatro gravatas e o rock 'n' roll

Por annavirginia
26/11/13 21:01

O rabino Henry Sobel, 69, vai trocar São Paulo por Miami no dia 22 de dezembro. O plano é ficar seis meses lá e seis meses cá. Voltará no ano que vem, para a Copa do Mundo e para o casamento da filha única, Alisha.

Sobel mora desde 1970 aqui –atualmente, num dúplex em Higienópolis, com forte presença da comunidade judaica e um dos metros quadrados mais caros de São Paulo.

Era um rabino cabeludo de 31 anos quando peitou a ditadura, confrontando a versão de que Vladimir Herzog havia se matado. Era um rabino ainda cabeludo de 63 anos quando furtou quatro gravatas de grife (Louis Vuitton, Armani, Giorgio’s e Gucci) na Flórida.

Quem sou eu? O rabino que ficou conhecido em todo o Brasil pelo sotaque norte-americano forte, a quipá vinho e a dedicação à defesa dos direitos humanos? Ou um malandro que rouba gravatas?

Feita na autobiografia “Um Rabino, Um Homem” (2008), a pergunta paira sobre a cabeça de Henry Sobel feito o solidéu vinho com cuidadosos apliques em dourado. Entrevistado de ontem no “Roda Viva” (TV Cultura), o quanto pôde ele evitou respondê-la.

Eu estava na bancada de entrevistadores, ao lado do ex-ministro da Justiça José Gregori e dos jornalistas Ricardo Kotscho (“Brasileiros), Laura Greenhalgh (“O Estado de S. Paulo”), Duda Teixeira (“Veja”) e Augusto Nunes, o apresentador. Dá para assistir aqui.

Sobel em evento de despedida, no Memorial da América Latina (Leticia Moreira – 31.out.2013/Folhapress)

Antes, um parêntese: o “Roda Viva” estreou em 1986. Nasci um ano depois. Para minha geração, a do “sub-30”, Sobel é mais conhecido como o “cara das gravatas”, do sow-ta-kee um tanto caricato para quem mora há décadas no Brasil, da entrevista à “Playboy” nos anos 1990, dos casamentos celebrados de Luciano Huck e Angélica, Marta Suplicy e Luis Favre.

Sua luta pelos direitos humanos, sem dúvida bonita e divisora de águas, é ou desconhecida ou relegada a segundo plano pela juventude.

Vamos lá:

1975. Vladimir Herzog, comunista de carteirinha do PCB, diretor de jornalismo da TV Cultura, morreu nas dependências do DOI-Codi em São Paulo. Versão oficial: suicídio.

Herzog era judeu. A tradição judaica ordena que suicidas sejam enterrados com “desonras”, em área marginal do cemitério.

Só que um funcionário da CIP (Congregação Israelita Paulista), ao preparar seu corpo para o funeral, notou marcas de tortura. Como o primeiro rabino da hierarquia estava fora do país, foi para Sobel, segundo no comando, que ele relatou a descoberta.

O jovem líder religioso decidiu que Herzog merecia um enterro “normal”. Ou seja: cravou que fora assassinado pelo regime militar.

Corta para 2007. Em 23 de março, flagrado com as gravatas, Sobel passou uma noite na prisão, em Palm Beach, Flórida. Voltou ao Brasil após pagar fiança de US$ 3.000.

Os dias seguintes foram depois definidos como “massacre midiático”.

Ele virou o paciente da suíte 1.074 do bloco A do hospital Albert Einstein, onde se tratou do episódio de “descontrole emocional”.

Eventualmente, acabou destituído da presidência da Congregação –virou “rabino emérito”. Recentemente, se disse magoado por ter sido limado da comitiva que se encontrou com o papa Francisco.

 

CONFISSÕES

Em agosto, afirmou à Laura Greenhalgh, do “Estadão”, que falaria sobre algo pela primeira vez, que não tivera “coragem nem vontade” de confessar antes: o furto das gravatas não fora culpa de doença, e sim “uma falha moral minha”.

Não assinou embaixo da própria afirmação no “Roda Viva”.

Abordei o assunto no segundo bloco do programa. Fiz um paralelo com o deputado José Genoino (PT-SP). Os dois gozavam de ampla simpatia pela atuação na ditadura. Mas, anos depois, levaram uma pedrada da opinião pública, pelos casos do mensalão e do furto.

Perguntei se Sobel se sentia magoado ou temia que o episódio recente eclipsasse outras partes de sua trajetória, sobretudo entre os mais jovens.

Ele pareceu desconcertado. Pediu para responder depois.

“Há fatos na vida que fogem até mesmo da própria consciência. Acredito que o capítulo deve ser encerrado. Não estou feliz com o ocorrido, mas aconteceu, e peço perdão a todos”, disse no terceiro bloco, novamente instigado sobre o tema.

O ex-ministro Gregori saiu em defesa do velho amigo. Lembrou de santo Agostinho (354-430), que não levou uma vida lá muito santa antes de se converter –tinha amante e era afeito à literatura pagã, conforme a autobiografia “Confissões”. Ainda assim, o teólogo virou peça fundamental do catolicismo. Uma coisa não anulava a outra.

Disso quem assina embaixo sou eu. E, como jornalista, me interessam muito mais homens do que mitos. Se o rabino ignorar o fatídico furto das gravatas, está dando uma gravata em sua própria biografia, autorizada ou não.

 

ROCK

Antes do programa, na sala de maquiagem, Sobel chegou atrás de mim e perguntou a minha música preferida.

Assim de supetão, com uma maquiadora debruçada sobre mim (ainda sem saber se sairia dali me sentido um quadro de Picasso ou de Romero Britto), respondi a primeira que me veio à cabeça: “Construção”, de Chico Buarque.

Sorridente, ele disse que essa não sabia cantar. E cantarolou “La Vie en Rose”, de Edith Piaf, para mim.

Já na bancada do “Roda”, pouco antes do programa começar, Sobel deu um giro de 360° com a cadeira e se virou para mim enquanto ajeitavam o microfone em sua lapela.

– Anná Virrrrginiá. A qualidade da vida é serrr tolerrrante com os outrrros e intolerrrante consigo mesmo.

No final do programa, fui cumprimentar o rabino. Disse que agora ele me devia a música preferida dele. Sobel, então, falou que gostaria de ir num concerto de rock.

– Você me levarrr até um?

A vida, às vezes, pode ser mesmo rock ‘n’ roll.

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100% ioga e 100% Jesus

Por annavirginia
20/11/13 22:55

Há alguns meses, falei sobre ioga com um amigo que frequenta igrejas evangélicas. Ele deu um risinho como se dissesse “ai, ai, só você”, ou “isso não é de Deus”, talvez um “Anna, só Jesus me deixa de ponta-cabeça”.

Quanto à prática –bem, cristã ela não é muito mesmo, ao menos em suas raízes.

A ioga tem uns 7.000 anos (5.000 a mais do que Jesus), origem na hinduísta Índia (onde se fala em mais de 300 milhões de deuses), nome em sânscrito (significa “união”) e a proposta de ser uma cola Bonder entre o homem e o Universo.

Não é difícil imaginar por que a filosofia “pagã” é malvista por movimentos cristãos.

Em junho, causou polêmica a declaração de um pastor americano que concorria a um cargo eleitoral em Virginia: “O objetivo dessa meditação é esvaziar a si mesmo. [Satanás] tem o prazer de invadir o vácuo vazio de sua alma e possuí-la”. Pegou mal, e o pastor Jackson apressou-se em dizer que veja lá, não é bem assim, quis dizer em se deixar preencher pela graça de Deus.

Por isso me pareceu tão inusitado a proposta da Holy Yoga: “100% Jesus e 100% ioga”.

Eis o slogan desse movimento criado nos Estados Unidos para propagar a “santa ioga” entre evangélicos.

Santa Ioga

“Não concordamos com aqueles que acreditam que a ioga é inseparável da tradição religiosa oriental”, diz Jo Ann Bauer, diretora de comunicação do projeto. “Estamos convictos de que a respiração, o movimento e a meditação pertencem ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Acreditamos fortemente na recuperação de tudo o que é bom para o único Deus verdadeiro, Jesus Cristo.”

São, me conta Jo Ann por e-mail, 715 instrutores em dez países (o Brasil ainda não está na lista).

“Mestra da santa ioga”, ela é uma morena bonitona nascida em Wisconsin que enche o Facebook de fotos com braços esticados na frente de cachoeiras. Calculo que deva ter uns 40 anos (com corpinho de 30).

 

LOUVA DEUS

Na internet dá para ter uma ideia de como as aulas de Jo Ann funcionam: alunos de nomes tipo Cindy, John, Marylyn e Steve deitados no chão, esticando-se com as palmas das mãos coladas e elevadas ao alto da cabeça (saudando o sol e Jesus ao mesmo tempo), com velas espalhadas pelo salão e trilha sonora ao vivo: uma cantora gospel em clima banquinho e violão.

As posições não mudam de nome na versão evangelizadora, como a “tadasana” (postura da montanha) ou a “ardha chandrasana” (pose da meia-lua). O que muda, aí sim, é o objetivo almejado pelos alunos.

É como me explica por e-mail Anna Grabrian, a instrutora xará com trancinhas loiras laterais estilo princesa medieval, que ensina a prática na Igreja da Ressurreição, no Kansas.

“A visão tradicional de adoração é usar nossa boca e nosso coração. Mas Deus nos criou de forma holística. Tudo está conectado. A Bíblia diz: ‘Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças’.”

( ) Amém

( ) Namastê

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Bola de Neve tenta barrar 'biografia' sobre marketing e igreja

Por annavirginia
18/11/13 21:12

A Bola de Neve, igreja evangélica liderada por um pastor surfista que usa pranchas como púlpito, tentou barrar na Justiça o livro “A Grande Onda Vai te Pegar – Marketing, Espetáculo e Ciberespaço na Bola de Neve Church”.

Virou marola a ação apresentada na 2ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os advogados da igreja tentaram uma liminar para proibir o lançamento da obra, mas tiveram o pedido negado.

O título teoriza sobre supostas estratégias de mercado adotadas pelo apóstolo Rina, que fundou a “church” em 1999.

Popular entre os jovens, formado em marketing e pós-graduado em administração, ele faz o tipo que dispensa gravatas e apresentações. Adota leve topetinho (com cabelo mais tosado nos lados) para combinar com o estilo “mamãe passou Cenoura & Bronze em mim”.

Alguns subcapítulos do livro da discórdia:

  • Marketing ‘de Jesus’ e teologia da prosperidade
  • Conhecendo/acessando a lojinha/shopping/Planet Bola
  • É dando à igreja que se recebe de Deus: preparando davis para as finanças
  • Nós somos a dobradiça da porta: as mulheres do Bola como costela
  • Em púlpito de prancha, pastor prega na Bola de Neve da Pompeia, em São Paulo (Diego Shuda/Folhapress)

Eduardo Meinberg Maranhão, 40 anos, o “Du”, foi fiel da igreja entre 2005 e 2006. Já ex-“bolado”, defendeu em 2010 uma dissertação de mestrado em história, na Universidade do Estado de Santa Catarina, sobre a instituição. O trabalho acadêmico virou livro, que logo virou dor de cabeça para seu autor.

No último 30 de outubro, durante o lançamento da obra na USP, Du foi interpelado por um advogado da Bola. “Ele tentou me persuadir, dizendo que eu teria problemas caso lançasse o livro.”

Nos autos do processo, o juiz cita o artigo 20 do Código Civil –que veta biografias não autorizadas. Aquele mesmo que Roberto Carlos e Caetano Veloso, antes de procurarem se desentender, lutavam para preservar.

Para o juiz Alexandre Marcondes, a utilização desse dispositivo “apenas será tolerada quando seja possível afastar, de imediato, a presunção constitucional de interesse público”. O que não seria o caso aqui: “O interesse público é inegável”.

Para ele, o trabalho é acadêmico, e a igreja, apesar de ser pessoa jurídica de direito privado, “congrega interesses públicos e privados”.

Bíblia em culto na igreja evangélica em São Paulo (Christian Tragni/Folhapress)

MARCA

Conversei com uma advogada da igreja, Taís Amorim, por telefone e e-mail. Ela defende que o x da questão nada tem a ver com censura prévia, e sim com o uso indevido “da marca”.

“O autor utiliza, sem qualquer autorização, o nome da igreja na capa do livro, induzindo a erro especialmente os milhares de membros da entidade, que poderiam confundir a publicação como sendo da própria igreja (como de fato foi possível constatar no pouco de divulgação via Facebook).”

Taís também diz que, pela sinopse do livro, “foi possível deduzir que o juízo de valor promovido pelo autor não condizia à realidade da entidade”. Enxergar a Bola de Neve como uma “agência mercadológica é uma inverdade e, portanto, uma ofensa à entidade, que tem como único alvo e fomentador de seus trabalhos o Senhor Jesus Cristo”.

A advogada foi a primeira a me ressaltar a formação em marketing do apóstolo. Ela diz que Du procurou Rina com algumas perguntas sobre a igreja –mas decidiu ignorar suas respostas. Como aquela em que líder religioso teria dito: “Rasguei e joguei fora todos os livros e aprendizado que obtive na faculdade, pois quem dá o crescimento à igreja é Deus”.

O autor afirma que conversou com Rina pelo Facebook, em setembro. As respostas só teriam chegado cinco dias antes do lançamento, sem tempo hábil para inseri-las no livro, que a essa altura já estava na gráfica.

NO PRINCÍPIO ERA…

Janeiro de 2005. Du, cantor de rock nas noites paulistanas, havia se mudado para Florianópolis no dia 31 de dezembro, “atrás de vida nova”. Já conhecia wicca, bruxaria, kardecismo, “mil igrejas evangélicas” –com direito a “heavy metal gospel”.

Até que uma amiga chegou com a proposta:

– E aí, Du, você já foi à Bola de Neve?

Ele perguntou se era o nome de uma sorveteria local.

“Rindo de mim, ela me explicou que se tratava de uma igreja evangélica de surfistas, que tocava reggae e rock e tinha a fama de ser liberal em relação a muitos costumes, inclusive permitindo que os fiéis ‘ficassem’ durante o culto e que fumassem maconha na igreja”, escreve.

Ao longo do livro, ele diz que não presenciou consumo de drogas ou álcool na Bola.

Nota rápida da blogueira: em 2011, visitei dois cultos da Bola de Neve no templo da Pompeia, zona oeste de São Paulo, e não vi nada disso: o que testemunhei de mais radical foi uma adolescente de bandana na cabeça, estilo Axl Rose, e uma camisa do Bob Esponja que dizia algo mais ou menos por aí: “Nada de amarelar: chega de absorver pecados!”

 

 

Em 266 páginas, o autor intercala análises acadêmicas com sua experiência na Bola de Neve. Narra um evento em que foi com a namorada: “Nos sentamos próximos ao altar-palco e exatamente à nossa frente estavam Monique Evans e Cida Marques, […] as duas vestidas de minissaia e blusa (bem) decotada”.

Diz ele: “Em minha dissertação, termos como agência religiosa, marketing, espetáculo e midiatização são entendidos de forma diferente do senso comum, que trata e tende a ver os mesmos do lado oposto da dimensão do sagrado. Tais termos não têm sentido negativo nem positivo, na minha opinião são categorias de análises – rasuráveis, como proponho”.

Responsável pela publicação, a Fonte Editorial espera a entrega da primeiro tiragem comercial do livro, de até 1.000 exemplares, segundo o editor Eduardo de Proença (o autor calcula que cada um custará em torno de R$ 40).

Em seu catálogo, “A Grande Onda Vai te Pegar” se somará a títulos como “O Evangelho Segundo os Simpsons”, “O Lado Bom do Calvinismo” e “Deus, Diabo e Dilma: Messianismo Evangélico nas Eleições 2010”.

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Aula de Facebook para bispos

Por annavirginia
12/11/13 20:09

A Bíblia tem 73 livros, 1.330 capítulos e 35.527 versículos, levando em conta uma determinada tradução de Antigo e Novo Testamento.

O retangulozinho no Twitter comporta, no máximo, 140 caracteres.

“Não é uma linguagem igual à de Guttenberg, né? Agora ela é rápida, simples, espontânea”, diz (por telefone) a irmã Elide Maria Fogolari, uma senhora de 73 anos que no dia 10 de junho anunciou sua entrada triunfal em outra rede social assim:

 

Olá amigos e amigas!

Finalmente estou entrando no facebook! Não sei se vou dar conta. Fico mais preocupada com as atividades da comissão do que estar no facebook. Mas vamos lá. Um grande abraço, Elide

 

Se “no princípio era o verbo”, como diz a abertura do Evangelho de João (em 24 caracteres), agora a forma de relatá-lo modernizou: na semana passada, cerca de 55 bispos da Igreja Católica passaram quatro dias numa colônia em Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana de Recife (PE), para um curso de comunicação sobre a era digital.

Pela manhã, exposições teóricas com “leigos”: professores de comunicação de várias universidades do país. À tarde, oficinas práticas de rádio, TV (“media training”) e redes sociais (Twitter e Facebook).

“O mais surpreendente foi constatar o potencial das redes sociais. Vários bispos nunca tinham mergulhado nessa prática e saíram entusiasmados como novos frequentadores do continente digital”, diz (por e-mail) dom Dimas Lara Barbosa, presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação e arcebispo de Campo Grande (MS).

 

A IGREJA E AS MASSAS

Há meio século, durante o Concílio Vaticano 2º (1962-65), a Igreja aprovou –com certa dificuldade– o decreto “Inter Mirifica”, sobre os meios de comunicação social. Já então se falava das “maravilhosas invenções da técnica”, segundo dom Dimas.

Na prática, mostrava o Vaticano preocupado em dialogar com fiéis afastados da religião. Era preciso passar o espanador no discurso eclesiástico perante as massas  –a TV a cores tinha sido introduzida nos Estados Unidos na década anterior.

Foi esse Concílio, vale lembrar, que pôs em xeque a obrigação de rezar as missas em latim, em vez de celebrá-las na língua de cada país.

O papa Bento 16 tuitando pela primeira vez, no dia 12/12/12 (Foto: Efe)

No dia 12/12/12, Bento 16 se tornou o primeiro papa tuiteiro. Meses antes, havia conclamado membros da Igreja a se tornarem “cidadãos digitais”.

Mas foi seu sucessor, Francisco, que caiu no gosto do público como “papa 2.0” .

Ele possui perfil em nove línguas (português, inglês, alemão, árabe, espanhol, francês, italiano, polonês e latim).

Em língua portuguesa, são 870 mil seguidores. Especificamente hoje, Francisco (ou quem administra sua conta) só postou um recado até agora, 20h15: “Lembremos as Filipinas, o Vietnã e toda a região atingida pelo furacão Haiyan. Sede generosos na oração e na ajuda concreta”.

Há alguns dias, o administrador do Twitter papal trocou as bolas e colou um indecifrável recado em polonês –desconfio de algo como a “constância da fé na luta contra o mal”, o que me parece mais provável do que uma receita de spaghetti alla carbonara ou uma sucessão de carinhas tristes pelo modo como Justin Bieber vem se comportando nos últimos dias.

“O papa Francisco é um grande comunicador”, afirma dom Dimas. “Ele tem a coragem de abordar todos os temas, inclusive aqueles que possam parecer mais desgastantes para a vida da Igreja, com toda a transparência.”

A versão em português do Twitter do papa Francisco

CURTIR

Agora, o princípio é soltar o verbo.

Para a irmã Elide, que tem “blog, Twitter, Facebook e Gmail”, a turma se entusiasmou com o intensivo em Pernambuco. Se alguns bispos já estava inteirados sobre as ferramentas, outros começaram a “entender um pouco o que é site”, diz.

“Se você está no carro e tem um pensamento curto, uma frase, pode perceber que vai fazer bem pra muita gente [compartilhá-la]. Vai lá, liga seu celular, posta no Facebook. Pode atingir 10 mil, 20 mil pessoas”, conta a freira –que escreveu na rede social de Mark Zuckerberg pela terceira e última vez em setembro.

Compartilhou, então, o vídeo de um cachorro de pelúcia falante que critica quem vive se lamentando que está gordinho, mas “come, come, come” em vez de passar “esparadrapo na boca”.

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Festa gospel promovida pela Globo é cancelada

Por annavirginia
09/11/13 12:01

A festa do Troféu Promessas, “a maior premiação da música evangélica nacional” –e também uma das primeiras incursões das Organizações Globo no mercado gospel–, pelo visto ficou só na promessa.

A cerimônia aconteceria na próxima quarta-feira, dia 13, no Teatro Popular Oscar Niemeyer, em Niterói. Mas foi cancelada “por razões operacionais”.

Pessoas ligadas ao evento receberam um e-mail ontem à noite comunicando que “o formato de entrega da premiação foi alterado”. O resultado da votação será anunciado na segunda-feira no site do Troféu Promessas –os vencedores receberão sua estatueta pelo correio.

A Quartel Design, que auxilia na assessoria de imprensa do evento, confirma o e-mail e conta que foi pega de surpresa. Passagens aéreas da equipe, sediada em Belo Horizonte, já haviam inclusive sido compradas.

Via assessoria de imprensa, a Globo diz que cuida somente da promoção do prêmio e que a decisão de cancelar a festa não partiu dela. Mais informações, só com a Quartel –que, por sua vez, afirma que é a emissora que dá as cartas no troféu.

A disputa por categorias como melhores Ministério de Louvor, Pra Curtir e CD de Rock inclui campeões de venda como Diante do Trono e Aline Barros (“a cantora gospel com maior número de seguidores no Facebook do mundo”, segundo o site da própria: 6,3 milhões desde 2009).

Aline Barros, uma das concorrentes do Promessas, com Fátima Bernardes, que a convidou para seu programa de Dia das Mães deste ano (Reprodução Facebook)

PLIM-PLIM

O troféu Promessas é realizado desde 2011 com apoio da emissora do grupo.

A Globo criou, naquele mesmo ano, o Festival Promessas –parte da estratégia para se aproximar da comunidade evangélica, que saltou de 15% para 22% da população (42 milhões de brasileiros) entre 2000 e 2010, segundo o Censo. A edição deste ano, segundo a Globo, está de pé: 30 de novembro, em Brasília.

No ano passado já havia burburinho sobre a criação de uma mocinha evangélica para alguma novela do canal. Na época, um grupo de pastores foi ciceroneado pelo Projac pelo então coordenador dos projetos especiais da Globo, Amauri Soares.

Outra incerteza: uma segunda edição da FIC (Festival Internacional Cristão) –feira de negócios voltada ao público gospel e capitaneada em julho pela Geo Eventos, braço de entretenimento do grupo.

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Pornô evangélico pode?

Por annavirginia
08/11/13 22:09

Discutir pornografia pode ser um elefante branco para muita gente. Entre evangélicos, então, o assunto periga virar uma reunião de elefantinhos com protetor solar fator 60.

O reverendo Augustus Nicodemus Lopes, ex-chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie (2003-2013), cargo máximo de uma das instituições mais tradicionais do país, jogou esse tabu no ventilador, em texto publicado hoje na internet.

Sobre o cristão que consome “a prostituição, a perversão sexual, o adultério, a sodomia, o lesbianismo, e outras práticas sexuais que são objeto da pornografia”, eis seu veredicto: culpado.

Augustus Nicodemus Lopes, reverendo da Igreja Presbiteriana do Brasil (reprodução Facebook)

Em 2010, outro texto de Nicodemus “viralizou” na rede. Então à frente do Mackenzie, ele publicou no site da universidade o “Manifesto Presbiteriano sobre a Lei da Homofobia” (crítico ao projeto de lei 122, que criminaliza a prática).

Saldo: centenas foram às portas do Mackenzie protestar contra frases como “os cristãos se guiam pelos referenciais morais da Bíblia e não pelas mudanças de valores que ocorrem em todas as culturas”.

Protesto em frente ao Mackenzie contra o então chanceler Augustus Nicodemus (Edson Silva/Folhapress)

A nova investida, desta vez contra o pornô, foi feita numa autoentrevista publicada em seu blog, O Tempora, O Mores. “Ninguém nunca me entrevistou sobre este assunto”, explica.

O reverendo se faz perguntas como “por que as igrejas não falam mais deste assunto, já que certamente existem muitos membros viciados em pornografia?”.

Trailer da resposta: “Alguns líderes receiam despertar o interesse das pessoas pela pornografia se começarem a falar sobre ela”.

Também dispara contra a masturbação, hábito “profundamente ligado à pornografia”. “Dificilmente alguém se masturbaria pensando nas cataratas no Niágara…”, afinal.

Por e-mail, dos Estados Unidos, ele me concedeu a tal entrevista que ninguém havia pedido antes.

Por que escrever sobre o que nunca lhe perguntaram: pornografia?

Sei que o consumo de pornografia entre evangélicos existe numa proporção alarmante. Há muitas publicações que mencionam o fato, além da minha própria percepção, lidando com pessoas com problemas nesta área nos meus mais de 30 anos de pastorado. E infelizmente pouco se fala sobre isto nas igrejas evangélicas, históricas e pentecostais.

Qual a perspectiva bíblica sobre sexualidade?

De acordo com ela, Deus nos criou homem e mulher. Portanto, sexo é uma coisa boa, abençoada e que deveria ser desfrutada dentro dos limites estabelecidos pelo próprio Deus, e que estão igualmente revelados na Bíblia. Destes, o mais importante: deve ser desfrutado no ambiente do casamento, onde existe compromisso e responsabilidade.

Você diz que “o casamento não transforma o quarto de casal em quarto de motel”. Exemplos?  

Num quarto de motel geralmente se faz de tudo –foi isso que quis dizer. Todavia, mesmo entre casados há limites. Sexo a três ou troca de casais, por exemplo, se constituem em adultério mesmo que tenha o consentimento de todos envolvidos.

Já fiz uma reportagem sobre produtos eróticos para evangélicas. Coisas como o kit “50 Tons de Prazer” e calcinhas comestíveis (que maridos degustam com uísque). Acha válido o uso de apetrechos sexuais?

Questão interessante. Eu responderia de maneira genérica. Não envolvendo pornografia, esquemas adulterinos ou embriaguês, poderiam ser usados.

 

MERCADO DO SEXO

Sobre a referida reportagem da última pergunta: eu e o repórter Ricardo Senra desvendamos um pouco do mercado gospel do sexo, para a revista “sãopaulo”.

Uma das entrevistadas foi Mônica Alves, 45, ex-revendedora de produtos da Avon e que hoje bate perna com uma bolsa de 6 kg cheia de itens sexuais. Vende, por exemplo, a “camisolinha da Nicole Bahls”, um modelo semitransparente com estampa de oncinha.

Fiel da Igreja Mundial do Poder de Deus analisa a ‘camisolinha da Nicole Bahls’ (Petala Lopes/Folhapress)

Fiel da igreja Renascer, Mônica ouve da mãe reprimendas como “vibrador dá câncer no útero”. Não liga. Faz o teste de qualidade de seus produtos com o marido, 12 anos mais moço, que ganha café da manhã (cappuccino e cuscuz com manteiga) na cama e “festinha à noite” todo dia.

E sabe o que diria caso o líder da sua igreja descobrisse o ofício: “Pastor, desculpa, preciso ganhar meu dinheiro”.

Já o repórter Senra, em papo com uma atendente de sexshop, descobriu uma fiel (cliente das mais assíduas) que repetia sempre o mesmo ritual: escondia-se atrás de uma árvore, ligava para a loja, esperava a porta abrir e entrava correndo, na surdina.

MOTOCICLETA, BÍBLIA, B.B KING

Hoje, Nicodemus é professor visitante do Westminster Theological Seminary, na Filadélfia. Pesquisa para seu projeto de pós-doutorado: um livro sobre os modernos “apóstolos” pentecostais.

Mais sobre o pastor presbiteriano está na internet. Assim ele se define: “Paraibano, casado com Minka, pai de Hendrika, Samuel, David e Anna, mestre e doutor em interpretação bíblica (África do Sul, Estados Unidos e Holanda)”. Interesses: “Bíblia, teologia, off-road e motocicletas”. Músicas favoritas: “Eric Clapton, B.B. King e toda aquela geração de feras do blues”.

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Papa Francisco e a 'modern family'

Por annavirginia
06/11/13 19:45

Corta para o século 21:

Casais divorciados ainda devem ser proibidos de comungar?

E os casais gays: poderiam batizar seus filhos adotados na igreja?

Como, afinal, a Igreja Católica, vai encarar nos próximos anos a evolução da família moderna?

O monsenhor Vincenzo Paglia, uma espécie de “ministro da Família” no Vaticano, está em São Paulo e conversou hoje com alguns repórteres na Catedral da Sé sobre “o momento histórico” que vive a Igreja Católica.

Explica-se: o papa Francisco lançou um questionário inédito com 38 perguntas, distribuído por paróquias mundo afora.

É claro que as interrogações não são tão diretas quanto as que abrem este texto. Mas lá estão grandes tabus do catolicismo.

De novo blocos da enquete, um se dedica às “situações matrimoniais difíceis” –do divórcio à “convivência ad experimentum” de quem junta as escovas de dente sem subir ao altar. Outro trata da união homossexual.

Esse “Dataigreja”, como bem definiu Clóvis Rossi em na Folha de ontem, não propõe duplos twists carpados em dogmas ou práticas da Igreja –nada de discutir “se o casamento pode ser dissolvido, em vez de de ser ‘até que a morte nos separe’” (citando Clóvis de novo).

Monsenhor Vincenzo me responde assim, por exemplo, sobre a possibilidade de a Igreja aceitar num futuro próximo casais homossexuais: “Podemos encarar todos os problemas, mas a família é aquela de sempre. Se tudo for família, então nada é família”.

Monsenhor Vincenzo Paglia, o ‘ministro da Família” da Cúria Romana, na Catedral da Sé

‘DATAIGREJA’

O “Dataigreja” faz prospecção de terreno. Não à toa demanda que párocos descubram se é possível “calcular numericamente” os diferentes arranjos familiares em seus redutos.

Pergunta-se se o país da paróquia tem leis que aceitem união entre pessoas do mesmo sexo. E ainda: qual a melhor forma de prestar “atenção pastoral” a essas famílias.

A ideia é preparar algo próximo a um “censo” dos católicos. As conferências episcopais precisam entregar um resumo ao Vaticano até o final de janeiro. O resultado será discutido numa assembleia extraordinária convocada pelo papa Francisco para outubro de 2014: o Sínodo dos Bispos sobre a Família.

Os sínodos –reunião periódica de bispos presidida pelo papa– podem acontecer fora de hora se o tema em questão exigir uma definição rápida, explicou no mês passado o padre Federico Lombardi, porta-voz da Santa Sé.

 

‘COM CERTEZA!’

Monsenhor Vincenzo foge de respostas definitivas (“se eu ter der uma, o sínodo vai ser inútil!”), mas diz que, após o encontro em 2014, a Santa Sé “com certeza terá que mudar a atitude com essas pessoas [divorciados num segundo casamento, no caso]”.

“Não estamos falando nada de abstrato, estamos falando do mundo. O papa quer que olhemos para as famílias que vão bem e vão mal.”

Ainda sobre este assunto: a Igreja pode não autorizar o divórcio, mas espera ampliar o conhecimento sobre situações em que um matrimônio pode ser considerado nulo. Um divórcio, pero no mucho.

O assessor de imprensa da Arquidiocese de São Paulo me dá exemplos: se uma das partes estiver bêbada (penso em Las Vegas), for impotente ou infértil, abandonar o cônjuge ou trair.

 

O INFERNO SEM OS OUTROS

O monsenhor, que preside o Pontifício Conselho para a Família, falou por uma hora em italiano, na companhia do cardeal dom Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo.

Na secretaria da Catedral da Sé, com uma estátua da Sagrada Família ao fundo (Maria, José e o menino Jesus), dom Vincenzo compara a sociedade contemporânea com um prédio onde os andares são habitados por várias gerações, mas sem escadas ou elevadores que criem laços entre elas.

E cita o sociólogo polonês Zygmunt Bauman e seu conceito de modernidade líquida para falar sobre o desmanche das relações pessoais. Sem família, diz, o que nos resta é “o inferno”, pois “o inferno é a solidão”.

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Esse pai de santo bombado sou eu

Por annavirginia
06/11/13 12:10

Pai Léo de Ogum ‘Sensitivo’, tatuagem de São Jorge no peito, em seu escritório (Gabriel Cabral/Projetor)

O pai de santo Léo de Ogum pede licença um minutinho e atende seu iPhone 4, protegido por uma capa dourada da Ferrari (em alto relevo, o logo com um cavalo empinado sobre as duas pernas traseiras).

Do outro lado da linha, um de seus “filhos de santo” busca socorro. Parece problema com mulher. Logo depois, batem na porta da salinha de nº 608, que ele aluga por R$ 700 num prédio velho da rua Barão de Itapetininga, no centro de São Paulo. Entra outro “filho”, com camisa Calvin Klein verde e sorriso amarelo. Carrega, aflito, a foto da ex-namorada. Quer a garota de volta.

“Ajudo muita gente, hein? Mas não é fácil, não”, diz Pai Leo, dono do rosto e dos músculos que chamam a atenção (não necessariamente nessa ordem) em dezenas de cartazes pelo centro de São Paulo.

‘Sensitivo’

Durante a próxima hora, ele conta como “fecha o corpo” –jargão umbandista para uma espécie de blindagem contra maus fluidos– dos “filhos de santo” que compõem sua eclética clientela (R$ 50 a consulta). E sem discriminar: atenderia de policiais a membros do PCC, diz.

Garante já ter “livrado” estrelas globais “de muita coisa”, citando um ator conhecido por seu problema com drogas (o mencionado não confirma a visita).

Fala dos presentes que já ganhou da prole espiritual. Para “os churrasquinho”, bois inteiros. Para “as baladinha”, garrafas de Red Label –tira algumas de uma bolsa vermelha a seus pés (preço na etiqueta: R$ 79 cada).

Diz que recebeu até automóveis –desliza o dedo pelo iPhone para mostrar a foto posando com um Astra azul “tunado”, com portas que abrem para cima, tipo carro do Batman. Aproveita e exibe fotos de meninas simulando a “duck face”, ou “cara de pato”, ou a arte de se autofotografar na frente do espelho fazendo biquinho para a câmera e cantarolando Anitta mentalmente (pre-pa-ra).

Mas não é fácil, não. “Eu coloco minha cara pra bater”, diz o Rei dos Videntes por autodefinição, guerreiro espiritual por vocação e lutador (iniciante) de UFC que um dia já foi “trincado” e que agora está “precisando perder a barriga”.

Gosta de se diferenciar de pais de santo que prometem “trazer o amor perdido em três dias” nas casas das mães joanas, nos terreiros dos pais joãos.

Ele expõe nome, telefone e foto (“o que ninguém faz”) nos panfletos que cola pessoalmente pelas ruas. Apresenta-se como “Pai Léo de Ogum Sensitivo”, numa daquelas fontes de Word bonitinhas, com letra de mão dada. Está aí, diz, para enfrentar o tribunal da opinião pública. “Vou me sentir feliz de estar sendo julgado.”

A cara pra bater aparece entre uma imagem de Ogum, “orixá do ferro, da guerra, do fogo e da tecnologia”, e outra de Iemanjá, a rainha do mar. Na imagem: um homem de regata branca justinha, colares de miçanga transpassados no peito, grossas correntes de prata no pescoço e tatuagem de uma outra corrente, “a de Zumbi dos Palmares”, no muque esquerdo (também tem uma tattoo de São Jorge cobrindo todo o peitoral). A cara é fechada, numa expressão que caberia ao rapper 50 Cent descobrindo que secou a vodca premium de seu frigobar.

‘MATERIALISTAS E GANANCIOSOS’

“Enquanto os Seres Humanos Forem Materialistas e Gananciosos E Pensar em si Propio eles Nunca Vão Solucionar e proporcionar a Cura dos Seus Propios Problemas.”

A mensagem de Pai Léo, com texto e caixa alta fielmente transcritos acima, resume bem a ideologia que o rege e que ele me expõe ao longo de 15 minutos: nós, homens, somos muito apegados a bens materiais.

Coisas como baladas, uísques, e roupas. É como escreve em seu site, o seuamordevolta.com: “Não negue que bens materiais ajudam a ser feliz, mas nem toda riqueza do mundo substitui um abraço e o carinho de um verdadeiro amor. Muitos poderosos e ricaços vivem na solidão de seu isolamento”.

Sua filosofia é a seguinte: “O ser humano precisa devolver pra natureza o que ele tirou dela”. Se vai tudo bem na vida do sujeito, e ele de repente é vítima de “facada, bala perdida ou acidente de carro”, é porque ele está no vermelho com a mãe natureza, que tanto lhe dá sem receber nada em troca.

Ele fita o fotógrafo Gabriel Cabral nos olhos, inclinando a cabeça pra frente. A voz me lembra um diretor de escola querendo saber por que o aluno voltou do recreio com olhos vermelhos e sorriso abobalhado:

 

– E você, já devolveu pra natureza?

– Plantei um abacateiro outro dia.

– Maravilha, show de bola.

 

É o tal do equilíbrio astral e natural. Para ajudar seus “filhos”, Pai Léo pode, por exemplo, ir a cachoeiras. Chegando lá, devolve para a água um peixe vivo, que adquire num pesque-e-pague da vida e preserva numa caixa de isopor.

Outra “missão” que assumiu para si é a de propagar a cultura afro-brasileira numa São Paulo que “precisou de muita massa negra pra estar onde está”.

“Sou muito perseguido por pessoas preconceituosas”, afirma, lembrando da dificuldade que às vezes tem ao colar cartazes nos estabelecimentos de portugueses, italianos e chineses. Os últimos são os que mais incomodam: “Gente que vem pra cá roubar nossa cultura”.

 

ANTES DE SER PAI

Antes de Ogum, ele foi o menino Leonardo Teodoro, filho de um pedreiro com a caseira de um dos sócios do curso Objetivo, nascido em Ilhéus, Bahia, “há praticamente 40 anos”.

A família se mudou para Guaianases, zona leste de São Paulo, e depois Vila Mariana, zona sul. “Viemos por necessidade, né, que todo  mundo passa.”

Estudou até a 8ª série do ensino fundamental e, quando criança, pegava “aquele resto” que sobrava nas feiras. Fuçando lixo, achou um livro sobre orixás. Aos 10 anos, ganhou a primeira conchinha de búzios, de um hippie. A linha direta com o universo dos orixás começou aí.

Pai Léo se iniciou novo no candomblé. Afastou-se por “não suportar a matança de animais”, como bodes e galinhas, e desde então enveredou-se por uma linha mais “soft”, a umbandista.

Já foi segurança do Hospital Samaritano, “aquele que pega todos os boys”. Seu ganha-pão, hoje, vem do trabalho espiritual.

Entre as entidades que conta receber estão Pai Joaquim, descrito por ele como um branco que ajudava a libertar negros no século 19, “mais ou menos um padre”, e Zé Pelintra, um tipo malandro, “que adora atividade de puteiro”.

Na salinha mal iluminada com luz que vaza pela persiana amarela, um tênis Nike jogado no canto, restos de macarrão instantâneo numa cumbuca e várias joias femininas.

São os adereços que Pai Léo oferece às “pombas-giras”, como colares e brincos de pedras vermelhas. Essas entidades femininas, geralmente retratadas com olhar provocador e longas saias rodadas, cigarro em mãos e um trago no copo, seriam as “periguetes” de hoje, ele compara.

O pai de santo tem uma versão própria para a origem das pombas-giras. Volta à época em que a mulher é forçada a casar durante a inquisição. Acaba traindo o marido (“um negro ou um branco mesmo”). É expulsa de casa e solta no mato. Destino: um cabaré. “A cafetina pegava pra fazer dinheiro.” Depois são perseguidas, por enfeitiçar o marido das mulheres “de bem”.

Desta vez é a mim que Pai Léo encara. Vai por aí: hoje, as pombas-giras encostam nas “mulheres bonitas”, que podem “fazer tudo o que elas não podiam” no passado. Diz: se eu, “com os olhos azuis”, colocar um brinco, um colarzinho, beber uma vodca, fumar um cigarro na noite… Viraria um para-raios delas.

Maravilha, show de bola.

Na própria vida pessoal, Pai Léo diz estar solteiro por opção –é, afinal, “sensitivo” e saca quando “mulher tudo gosta de dinheiro”.

Em seu site, explica assim: “Olho Gordo, Mau Olhado e Inveja destroem a vida de qualquer um, são ‘micróbios’ que ao olho nu não podemos enxergar o efeito eletromagnético. Para mim, Pai Léo, não é invisível. Quem tem a mediunidade sente os efeitos, assim como o vento, sentimos, mas não enxergamos. Eliminados esses males com os perfumes das ervas das folhas e vegetais que eu trabalho para extirpar todo o fluído dos micróbios que impregnam estabelecimentos, sua vida amorosa”.

Seu site também destaca o tarô do amor. Alguns tópicos trabalhados: “ejaculação precoce”, “sexo mais ardente”, “emagrecer” e “firmar-se no emprego”.

Proponho um teste: tire as minhas cartas. Algumas coisas eram bem genéricas (que mulher não é “guerreira” e quer “mudar o cabelo”?); outras, surpreendentemente pontuais (como uma viagem que farei em breve e o tipo de médico que há meses estou adiando).

Pai Léo de Ogum diz que foi chamado de “bruxo” na infância, após adivinhar que um coleguinha cairia da bicicleta e se machucaria feio (“quase ficou paraplégico”). Hoje parece bem à vontade em ser quem é.

Agora, quatro dias depois de visitá-lo, uma frase sua não sai da minha cabeça: “Antes de me julgar e me condenar, procure me conhecer primeiro”. Procure saber.

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