Religiosamenteislamismo – Religiosamente http://religiosamente.blogfolha.uol.com.br Bastidores e curiosidades do mundo religioso Tue, 03 Feb 2015 21:35:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Islamofobia à brasileira http://religiosamente.blogfolha.uol.com.br/2015/01/15/islamofobia-a-brasileira/ http://religiosamente.blogfolha.uol.com.br/2015/01/15/islamofobia-a-brasileira/#respond Thu, 15 Jan 2015 16:35:04 +0000 http://religiosamente.blogfolha.uol.com.br/?p=658 Continue lendo →]]> Jogaram pedra na Sarah. Cuspiram na Ana Paula. Ameaçaram matar Luara.

Para essas três muçulmanas, o mito do Brasil plural e tolerante foi por véu abaixo nos últimos dias. Após o ataque ao “Charlie Hebdo”, atos anti-Islã ricochetearam pelo planeta feito bilhar. Por aqui, a islamofobia subiu pelas paredes.

Mesquita Brasil, em São Paulo: o piche continua lá

A Mesquita Brasil, em São Paulo, foi vandalizada após o atentado. O piche continua lá.

Em São Paulo, a Mesquita Brasil, maior templo da religião no país, foi pichada no dia seguinte à chacina. Até a noite desta terça (13), o piche continuava lá: “Je Suis Charlie”, mote solidário às vítimas francesas que viralizou nas redes sociais com a força de dez “Guarani-Kaiowá”.

A professora de teatro Sarah Ghubara, 27, recebeu uma pedrada a caminho de um posto de saúde na capital paulista, onde tinha consulta médica. “Quando passei por um terreno baldio, ouvi a voz de um homem me chamando de muçulmana maldita. Alhamdulillah [graças a Deus] a pedra pegou na minha perna. Pelo impacto, se tivesse pegado na cabeça, teria feito um estrago.”

Ela voltou para tentar identificar seu agressor, sem sucesso. “Ele saiu correndo para o outro lado da rua.”

Sarah lembra outros episódios de agressão. Um “irmão muçulmano teve seu para-brisa arrancado por maldade”, em frente a uma mesquita, exemplifica.

Ela conta que se “reverteu” há quatro anos. “O Islã acredita que todos nascemos muçulmanos, mas no Ocidente acabamos por crescer no contexto cristão. Então você se converte a uma religião e, quando vira muçulmana, reverte a situação.”

“A revertida” reclama que o Ocidente tem dois pesos e duas medidas para conflitos mundiais. No Facebook, publicou uma foto lembrando os estimados 2.000 mortos na Nigéria, numa onda de atentados na mesma semana do “Charlie Hebdo”. Seria o maior massacre do Boko Haram, que defende um Estado sob a sharia (lei islâmica). “Je suis África… Charlie é meu ovo. (eu não tenho ovo, mas se tivesse seria)”, escreveu.

Sarah fotografou a pedra que lhe atingiu a perna

Sarah fotografou a pedra que jogaram nela; também foi xingada de “maldita”

A publicitária Ana Paula Barcellar, 27, também passou por apuros. Como de costume, ela pôs o véu e saiu pelas ruas de Bueno Brandão, cidade mineira com 11 mil habitantes, daquelas onde todo mundo se esbarra na praça central.

Levava o filho de seis anos ao único clube aquático do município –usa só o parquinho e a quadra “pois não pode entrar de roupa na piscina”.

Devido a um problema de visão, ela só distinguiu vultos do casal à sua frente. Não conseguiu reconhecer o autor da cusparada que levou, seguida de um “conselho” para ela, “a assassina”. “Ninguém quer você aqui, não”, ela reproduz o que escutou do homem.

Quem passava por ali seguiu a vida como se fosse um dia como outro qualquer.

Não era. Mais precisamente, era 8 de janeiro, um mau dia para ser muçulmano, segundo Ana Paula.

Na véspera, dois homens gritaram “Allah akbar” (Alá é grande) antes de abrir fogo na redação do “Charlie Hebdo”, o jornal que desenha Maomé dando um beijo molhado na boca de um cartunista com o mesmo desembaraço que retrata cardeais católicos subindo a batina e enganchando uma ciranda erótica.

Ana Paula se converteu ao Islã quando tinha 17 anos, por influência de uma amiga libanesa. Enquanto a maioria das amigas sonha com véu e grinalda, ela prefere só o véu. Alterna no Facebook fotos de gatos fofinhos com ilustrações em defesa do traje religioso –como uma bonequinha de traços mangá que comemora: “Hijab é liberdade!”.

No dia a dia, o preconceito é menos escancarado, embora esteja lá, diz. Vai do assédio das igrejas evangélicas à escola do filho, “que não tem nada de laica e direciona tudo ao cristianismo, do coelhinho da Páscoa à leitura da Bíblia”.

É GUERRA?

Nos dias consecutivos ao atentado, condenado por grande parte da mídia árabe, a barra pesou para muçulmanos. Líder da extrema-direita, Marine Le Pen declarou: “O islamismo declarou guerra a nosso país”.

Recém-lançado, o livro “Submissão”, de Michel Houellebecq, virou best-seller ao imaginar uma França governada pela fictícia Fraternidade Muçulmana em 2022. O partido de mentirinha defende conversão ao Islã, patriarcado, poligamia e mulheres usando véu e virando donas de casa.

Assim que soube do atentado, o sheikh Jihad Hammadeh, da Mesquita Brasil, lamentou. Pelos mortos e pela comunidade muçulmana, inclusive a brasileira, com 35 mil membros, segundo o censo do IBGE em 2010 . “Pensou-se: pronto, vem ainda mais discriminação para o nosso lado”, disse em entrevista à “TV Folha”.

“Uma muçulmana foi atacada pelas costas a murros, socos e xingamento de ‘terrorista’. Mas isso é exceção, sabemos que o povo brasileiro não é assim”, afirmou o sheikh, sem identificar a vítima.

Exceção que virou regra na vida da estudante de psicologia Luara Oliveira, 21. Desde que aderiu ao Islã, nove meses atrás, ela passou a receber “olhares brutos” nas ruas, bem mais ameaçadores do que outro gracejo recorrente –pessoas que gritam do nada “inshalá”, bordão imortalizado pela novela “O Clone” (2001-2002) e que em português pode ser traduzido como “se Alá quiser”.

Após o ataque na França,o tom subiu. Luara fazia cooper em Brasília, acompanhada de sua mãe, quando o preconceito puxou seu pé. Um carro cinza encostou na dupla, e um homem gritou que mataria “todas essas desgraças”.

Ela também ficou com medo do ódio que contaminou a internet feito perfume ruim em elevador.

Há vários exemplos pinçados em sites e redes sociais. Enquanto Silvio pondera que “a diferença entre o muçulmano radical e o moderado é que o moderado ‘apenas’ irá aplaudir enquanto o radical nos corta a cabeça”, Anderson lança a pergunta no ar. “Como ser tolerante com os intolerantes?” Alexandre alerta: “O perigo muçulmano já ronda o Brasil há anos, especialmente em Foz do Iguaçu”. Juliana vai direto ao ponto. “Já explodiu um muçulmano hoje?”

]]>
0
O meu hijab é problema meu http://religiosamente.blogfolha.uol.com.br/2014/03/11/hijab/ http://religiosamente.blogfolha.uol.com.br/2014/03/11/hijab/#respond Wed, 12 Mar 2014 01:48:10 +0000 http://religiosamente.blogfolha.uol.com.br/?p=321 Continue lendo →]]> No projeto Humans of New York, Brandon Stanton posta na internet fotos dos humanos mais surpreendentes com quem esbarra no dia. Sara Samshavari é um deles.

Apareceu em imagem publicada na semana passada, ao lado de duas amigas muçulmanas. Nailah e Merazh posavam para ela com hijabs de oncinha e de estampa azul vibrante, combinados com coloridíssima maquiagem, batons fosforescentes inclusos.

Sara, de certa forma, quer mais é que o sucesso suba à cabeça de suas modelos. Nascida no Irã e criada na Inglaterra, a artista de 34 anos fotografa mulheres que usam seus hijabs, o véu islâmico, de formas criativas.

Brandon estava a caminho da academia quando viu o trio nas ruas do Brooklyn, em Nova York.

“Ele correu de volta, pegou sua câmera e, em seguida, compartilhou o meu projeto com seus seguidores, algo que disse não costumar fazer. O trabalho de Brandon ressoa com o meu, no sentido de trata de elevar em vez de explorar humanos”, diz Sara por e-mail, já de volta a Londres.

MENOS, MENOS

Sara nasceu em agosto de 1979. Dois meses antes, estourava em sua terra a Revolução Iraniana, revolta civil que expulsou a monarquia pró-Ocidente do xá Reza Pahlavi. No lugar, entrou uma teocracia xiita (corrente do Islã seguida pela maioria do país).

Xiita, nas bandas ocidentais, virou sinônimo de radicalismo, sobretudo depois dos atentados de 11 de setembro e a consecutiva fabulação do “Eixo do Mal” (Irã, Iraque e Coreia do Norte) pelo governo de George Bush.

O termo, em vez de enquadrar uma comunidade religiosa, é descontextualizado em frases tão aleatórias como “aquele pastor evangélico xiita odeia gays” quanto “alguns cinéfilos são xiitas ao ponto de odiar qualquer filme feito por Hollywood sem assisti-los primeiro” (já escutei as duas).

E quem adota o hijab, no senso comum ocidental, ou é xiita ou submissa a um. Menos, diz Sara. Menos.

Ela não é muçulmana: cresceu exposta ao bahá’i. Fundada no século 19, a crença prega a união das religiões –tem mensageiros como Krishna, Buda, Jesus e Maomé.

Hoje, não adere a um credo em particular. “Respeito as leis espirituais que acredito serem compartilhadas por todas as principais religiões.”

Muitos de seus parentes, contudo, ainda moram no país persa. Essas mulheres da família, diz, optam pelo véu em público, “e não necessariamente por não terem escolha”.

A artista relativiza o discurso de que o pano que cobre a cabeça das mulheres deve ser sempre encarado como opressão imposta por uma sociedade machista.

Essa posição é popular de Leste a Oeste.

Na França, vigora desde 2011 a “lei do véu”, que veta a vestimenta em lugares públicos. Determina uma cláusula: forçar uma mulher a cobrir seu rosto pode dar cadeia por um ano e multa de 30 mil euros.

Em 2012, uma apresentadora de telejornal no Egito pôde ir ao ar pela primeira vez com um hijab (escolheu um de cor creme). Antes era proibido usar véu nos meios de comunicação oficiais, ainda que ver egípcias cobertas nas ruas seja tão comum quanto encontrar meninas de shortinho e Havaianas no Rio de Janeiro.

BATALHAS

Sara já morou no Rio. Era bebê e lembra de poucas coisas (como o Cristo Redentor). Seus pais haviam fugido do Irã após a mudança de regime. Logo depois, ela venceu um câncer no rim, antes do aniversário de dois anos.

Diz que superar os conflitos no país natal e a doença a levaram a desejar fazer diferença por meio de sua arte. E fazer a diferença, para ela, significa justamente celebrar o diferente. Afinal, tem muita gente que quer ser vista por baixo do pano.

“Uma pessoa deve ter o direito de escolher a sua expressão, e parece que esse grupo é alvo de muito preconceito e abuso no Ocidente. Meu trabalho não é crítico nem defensor do hijab. Existe para reconhecer indivíduos fortes e vitais que conseguem brilhar, apesar do preconceito que possam receber como resultado da visibilidade de sua fé.”

]]>
0