Meu bisavô, o cientologista
01/09/14 13:44Jamie DeWolf, 36, nunca conheceu seu bisavô. Mas acredita que eles têm mais em comum do que a vasta cabeleira ruiva.
“Somos dois maníacos com propensão para controlar grandes massas, sensibilidade inata para ser fora da lei, personalidade mais louca e geniosa do que um Minotauro menstruando… E Deus sabe mais o quê.”
Está no DNA: Jamie acredita que, como L. Ron Hubbard (1911-1986), o fundador da cientologia, veio à Terra com uma missão: “Ser o centro das atenções”.
Sucesso até agora. Estamos num galpão de shows em Oakland, que está para São Francisco como Guarulhos para São Paulo. O preto de calça, blusa, sapato e chapéu contrasta com o vermelho da barba e do suspensório.
Jamie é uma espécie de canivete suíço com mil utilidades: dirige e atua em filmes, escreve poesias marginais, produz espetáculos amalucados.
Como o desta noite, “Tourettes without Regrets” –para quem “não se arrepende da síndrome de Tourette”, aquela que pode fazer a pessoa emitir palavrões de forma involuntária. “Criei este show como refúgio para os renegados, um clube para qualquer tipo de arte que poderia se safar.”
O espetáculo de ares burlescos reúne dezenas de jovens com cervejas baratas em punho. Tem uma dança das cadeiras com todos os participantes de calças arriadas e um número em que três casais seminus simulam posições sexuais com uma melancia –para essa parte, a primeira fila foi coberta com uma lona de plástico
GENGIS KHAN
Jamie se define como um Gengis Khan verbal, em referência ao sanguinolento líder do mundo antigo, e se orgulha de certa vez pedir à plateia para nocauteá-lo “até me deixar inconsciente” (foi prontamente atendido).
Mas acha que a viagem maior quem teve foi seu antecessor. Quando criança, Jamie possuía três heróis: o X-Men Wolverine, o hobbit Frodo e o bisavô, que conhecia como o autor de histórias de suspense publicadas em papel jornal, os chamados “pulp fiction”, dos anos 1930 e 1940.
Mas Lafayette Ronald Hubbard também criou a cientologia, um culto cujos fundamentos eram muito mais delirantes do que qualquer livro seu.
Vai por aí: o Universo, há 75 milhões de anos, era uma espécie de metrô da Sé na hora do rush. Xenu, o imperador galáctico, precisava acabar com a superlotação: aprisionou milhões de rebeldes na Terra e dizimou-os com bombas de hidrogênio.
Para a cientologia, os males que a humanidade sofre seriam resquícios da energia negativa remanescente desse genocídio.
Nos anos 1980, Ronald (1934-1991), o avô de Jamie cotado para suceder L. Ron, rebelou-se. Jogou o sobrenome Hubbard na lixeira e passou a se chamar DeWolf. E declarou que “99% de tudo o que meu pai já disse ou escreveu sobre ele mesmo é falso”.
Outra “ovelha negra da família”, nos anos 2000 foi a hora de Jamie assumir: rodou a internet um vídeo em que ele, durante um stand-up comedy, descasca o legado hubbardiano. Conta, no espetáculo, da primeira vez em que foi a um psiquiatra.
“Quando ele me perguntou se a doença mental corre na família, tudo o que eu pude dizer era ‘sim, sim’. Quando lhe disse que meu bisavô era o líder de uma seita que escravizou a mente de milhões, ele me acusou de ter delírios de grandeza.”
CELEBRIDADES
Adeptos hollywoodianos como Tom Cruise, Will Smith, John Travolta e Nancy Cartwright (dubladora de Bart Simpson) fizeram a fama da cientologia. A seita religiosa deitou na cama após seu fundador publicar o livro “Dianética – A Ciência Moderna da Saúde Mental” , em 1950.
O best-seller de autoajuda promete “cura completa” contra os “engramas”, cicatrizes de experiências ruins que ficariam no nosso subconsciente e nos impediriam de ser felizes. Virou a “Bíblia” da cientologia e a dor de cabeça de Ronald, o avô materno de Jamie.
Desde então, essa parte da família está sob vigília de uma estrutura similar à da CIA, acredita Jamie. A perseguição incluiria ameaças de morte, chantagens, acusações falsas (como crimes sexuais) e escutas telefônicas. “Eles vêm atrás de pessoas como agentes fanáticos da KGB.”
Asher Kennedy, 35, concorda que a coisa está mesmo russa para os herdeiros de Hubbard. Tirando a careca e as roupas largas estilo “mano do hip-hop”, o irmão caçula de Jamie parece clone do bisavô —as mesmas sobrancelhas avermelhadas e idênticas covinhas na bochecha rosa.
“Mataram o Philip Seymour Hoffman”, diz ele, de repente sério. “Overdose? Até parece.”
Está convencido de que a morte do ator, em fevereiro, não teve nada a ver com overdose de heroína, como consta na versão oficial. Após interpretar o líder de uma seita nos moldes da cientologia no filme “O Mestre” (2012), Hoffman foi assassinado, diz.
Após me oferecer maconha (a primeira das cinco propostas), Asher, que ajuda o irmão nos espetáculos, conta que a família chegou a entrar no programa de proteção a testemunhas para escapar da fúria dos “hubbardianos”.
“Eles vão vir atrás de você por esta matéria. Você sabe disso, né?”, diz antes de sair correndo e pular no palco como um homem-aranha, num só impulso.
Já Jamie gosta de preservar uma postura ambígua em relação ao sangue do seu sangue. Uma de suas 13 tatuagens, no braço direito, mostra dois triângulos entrelaçados por uma cobra, símbolo cientologista.
A marca na pele é um “lembrete”, diz. “Todos nós podemos ser deuses ou assassinos. O artista está no meio disso”.