Pelas barbas do bispo
25/07/14 12:50Para “seculares”, como evangélicos chamam quem tem outra ou nenhuma fé, o Templo de Salomão sempre foi uma caixinha de surpresas. Ou melhor, uma caixona para 10 mil fiéis, com 52 metros de altura (equivalente a um prédio de 18 andares), 105 de largura (duas vezes a Catedral da Sé) e 121 de comprimento (maior que o Maracanã).
Em junho, a mídia “secular” foi avisada de que não poderia fotografar ou filmar, nem agora nem nunca, o interior da nova obra da Igreja Universal do Reino de Deus.
Por meses a fio, acompanhei as obras do Templo de Salomão. Qualquer um podia: elas eram transmitidas em tempo real, 24 horas por dia, pela internet.
Mas só a fachada. Saber o que se passa lá dentro, onde as lentes não chegam, são outros quinhentos.
Mesmo após a abertura, quem sacar uma câmera –tanto faz se profissional ou “vale-selfie” de celular– estará “desviando do objetivo único da visita, de contemplar, meditar, orar a Deus e ouvir Sua Palavra, e ainda distraindo outros visitantes”, segundo o departamento de comunicação da Universal.
Ver com os próprios olhos também não é para todos, já que a entrada é controlada e, até segunda ordem, barrada à imprensa.
Nesta quinta (24), a igreja convocou alguns veículos de comunicação para falar sobre o projeto iniciado em 2010. Éramos cerca de 15 jornalistas, contando dois colegas de fora (da espanhola Efe e da inglesa Reuters).
Para responder nossas perguntas, dois assessores de imprensa, o pastor Miguel Lacerda, que falaria sobre a parte “espiritual”, e o arquiteto “secular” Rogério Silva de Araújo, há 16 anos cuidando de construções da igreja –antes, projetou uma fábrica da Volkswagen em Resende (RJ) e outra da Brahma na capital fluminense.
Por onde começar?
Na próxima quinta (31), acontece a inauguração oficial da réplica “made in Brás” que a Universal fez para a construção bíblica destruída duas vezes em Jerusalém, a última 1944 anos atrás.
Espera-se uma longa fila de autoridades no dia (a Universal não divulgou quem). A presidente Dilma Rousseff já confirmou presença.
O templo, que tem isenção de IPTU (o que é de praxe para qualquer igreja do país), vai restringir o acesso a convidados. A imprensa assistirá a tudo por um telão do lado de fora, numa espécie de “curral”.
Imagens internas, portanto, só as fornecidas pela Record, emissora que o bispo Macedo comanda desde 1989. Uma questão de organização, diz a Universal, ou flashes ricocheteando pelo recinto podem ficar ao Deus dará.
Jornalistas não poderão circular também pela parte externa no espaço, onde a Universal montou o Tabernáculo (simulação da tenda que judeus liderados por Moisés usavam como centro de oração) e fincou 12 oliveiras trazidas do Uruguai. Comuns em Israel, essas árvores dão azeitona, que gera azeite, mencionado na Bíblia como sinal do Espírito Santo.
Não misture água e azeite: fiéis poderão, sim, conhecer o templo. Só não quando bem entenderem, ao menos por ora.
Por tempo indeterminado (na coletiva falou-se em “semanas”, alguns pastores dizem 2015), entrar lá exigirá credencial. E só consegue uma quem embarcar nas caravanas da Universal, pagando por ônibus de turismo contratados pela igreja. Para agosto, está difícil descolar passagem. Quase tudo esgotado. Sair do centro de São Paulo custa R$ 45.
Escrevi sobre essas regras de acesso, bem como a implantação de detectores de metais nas portas e o veto a tablets, celulares, camisas de time, decotes e bonés, na semana passada.
A BARBA DO BISPO
A inauguração está sendo feita em parcelas –se você passar pela avenida Celso Garcia qualquer dia à tarde, verá centenas de obreiros (nome para os ajudantes do pastor) esperando a hora dos portões abrirem, com o uniforme azul-marinho da Universal.
Alguns ambulantes também cercam o aspirante a novo cartão-postal religioso de São Paulo, que não terá nenhum tipo de comércio, nem para venda de comida, de acordo com a assessoria. Fiel da Universal, João vendia camisas em inglês dando “welcome” ao “extraordinary” e prometia versões do tipo “Templo de Salomão: eu fui!” em “italiano, espanhol, francês e angolano”. Ontem, acabou perdendo boa parte do material para uma batida policial, o “rapa”.
Um barbado Edir Macedo, com quipá na cabeça, abriu o primeiro dia de pregação no sábado passado, 19 de julho, com deferências a Deus, “o todo-poderoso de Israel”.
No dia 14 de janeiro, estreou o novo visual no Instagram, em foto na qual sua mulher, Ester, cortava suas unhas com um alicate.
Em vídeo gravado em 2013 e publicado em abril no YouTube, Macedo anuncia o compromisso de não aparar os pelos faciais.
“Não vou fazer mais a barba, até a inauguração. Alguns bispos também estão fazendo isso. Você vai ver a cara da gente estranha.”
Durante a mesma pregação, ele pede “uma oferta especial extra” dos fiéis para o templo, então 55% concluída. E lista os custos.
Iluminação, R$ 22 milhões. R$ 2.200 por cada uma das 10 mil cadeiras. Pelas pedras israelenses usadas no Brás, 30 milhões. “Nós estamos fazendo tudo do melhor.”
SEM DILMA
O bispo diz que o templo não pode ser feito “por pessoas que nada tem com a nossa fé”. Por isso, não quer patrocínio de qualquer governo, municipal, estadual ou federal.
“Não vou pedir ajuda a Dilma. Não vou pedir. Se eu chegar lá, Dilma, eu sei que o Banco do Brasil tem verba para esse tipo de coisa. Mas a gente tem que botar lá na porta: Banco do Brasil. Eu não quero isso.”
A contribuição abrirá caminhos, diz o bispo. “Deus vai abençoar sua vida economicamente. Nós estamos com esse propósito. Vocês têm que ser ricos, prósperos.”
Na reunião desta quinta, os assessores da Universal estimaram o custo do templo em R$ 680 milhões, 100% bancado com doações.
QUERO SER GRANDE
O quarteto que conversou com a imprensa desmentiu boatos (como o de que Edir Macedo teria mandado construir um túmulo para ele no local) e divulgou números grandiosos.
São, no total, 100 mil m² de área construída, o equivalente a dois parques Trianon.
E haja saco de cimento –mais precisamente 145 mil. Calcula-se 2.600 toneladas de ferro gastas na réplica.
Com “tecnologia alemã produzida na Itália e desenvolvida em Portugal”, a iluminação da fachada reproduz a “cor amarelada do entardecer” em Jerusalém.
Eles importaram 40 mil m² de pedras de Hebron, cidade de Israel, que seriam do mesmo tipo encontrado no Muro das Lamentações –o último vestígio do segundo templo de Jerusalém. Foi lá que Jesus derrubou a mesa de cambistas e vociferou contra quem fazia da “casa de oração” um “covil de salteadores”, segundo a narrativa bíblica.
A versão paulistana não terá nenhum dos símbolos clássicos da Universal, como o letreiro “Jesus Cristo é o Senhor”. As portas estarão abertas para qualquer um: evangélico, católico, espírita, muçulmano etc.
Uma exceção: no pátio, uma bandeira com o símbolo da igreja, uma pomba branca dentro de um coração vermelho. A mensagem, segundo o pastor Miguel, é: “Aberto a todos, mas construído pela Igreja Universal”.
Ao lado, flâmulas do Brasil e de Israel. Mais atrás, uma bandeira para cada um dos países em que a Universal atua hoje (“mais de cem”).
A suntuosidade do Templo de Salomão, afirma o pastor Miguel, tem um objetivo: fazer com o que o visitante saia de lá inspirado. E pense com a Universal: “Poxa, é grande. Quero que minha vida seja assim”.