As estrelas do Partido Social Cristão
25/06/14 13:15O deputado Marco Feliciano congela o sorriso para o selfie. “Olha como vai sair na reportagem: os dois maiores héteros e o homem que toca todas as mulheres”, diz na convenção nacional do Partido Social Cristão, o PSC, que tomou a Assembleia Legislativa de São Paulo com bandeiras nas cores verde e branca e o logotipo cristão do peixe.
Ele abraça o colega Jair Bolsonaro e Dr. Rey, aspirante à sua primeira vaga na Câmara dos Deputados. A foto é tirada a pedido da repórter, com o celular dela, pelo cirurgião plástico conhecido por programas como “Dr. Hollywood”, reality show que acompanha sua vida em Beverly Hills, e “Sexo a 3”, que trouxe as seminuas “reyzetes” e foi descrito pelo colunista do UOL Mauricio Stycer como “um show inclassificável na sua mistura de baixaria, falta de sentido e humor involuntário”.
Candidato à reeleição, Feliciano avalia estar muito bem acompanhado nesta manhã de sábado, 14 de junho. “Uau, temos uma estrela hollywoodiana! Isso dá um upgrade no partido. Nós temos aí um Bolsonaro em São Paulo. O filho do Jair Bolsonaro é candidato pelo partido.”
A “defesa da família” é o mínimo denominador comum entre o ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos edois neófitos na política, Dr. Rey e Eduardo Bolsonaro, policial federal formado em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e caçula do polêmico deputado do PP-RJ.
O trio é candidato a engrossar a bancada de deputados federais do “único partido que não tem vergonha de falar de Deus”, como define o cirurgião plástico, sacando uma bandeirinha do Brasil do bolso do terno preto de risca de giz.
A flâmula nacional também aparece num broche pregado em seu paletó. Gravata “slim” vermelha (daquelas fininhas) e óculos escuros estilo Ray Ban, com armação dourada, completam o visual de Roberto Miguel Rey Júnior, o Dr. Rey.
Lá fora, um caminhão de som toca “Hotel California”. Fazendo as vezes de cabo eleitoral, garotas de cabelo escovado, calça preta justa e salto alto vestem a camisa com o nome do candidato e o de Maria Melilo, campeã do “Big Brother Brasil” em 2011 se filiou ao PSC após superar um câncer no fígado provavelmente causado pelo uso de anabolizantes. Segundo sua assessoria, ela deve concorrer a deputada estadual.
A OUTRA DILMA
Hoje, a legenda tem 12 congressistas na Câmara dos Deputados, como Feliciano (SP) eRatinho Jr. (PR), e um senador, Eduardo Amorim (SE).
Para 2014, a sigla lança um candidato à Presidência. Everaldo Dias Pereira, o Pastor Everaldo, da Assembleia de Deus (Ministério Madureira), sobe no palanque, pede “um copinho d’água para molhar o bico” e deságua uma enxurrada de críticas ao atual governo, “ausente, omisso e incompetente”.
“A minha mãe se chama Dilma, mas é uma santa mulher”, diz o presidenciável, “nascido literalmente na igreja”, sobre a mulher que o deu à luz no dia 22 de fevereiro de 1956, após sentir as dores do parto num culto evangélico.
Em 2010, o PSC estava na coligação que elegeu Dilma Rousseff (PT). Pastor Everaldo mudou o discurso: falaagora da “verdadeira mudança que o Brasil quer”.
Um dia antes da convenção, ele conversa sobre sua candidatura na sede do partido em São Paulo, um casarão branco com janelas e grades verdes na avenida Brigadeiro Luis Antônio, na nobre zona oeste paulistana. Promete privatizar “tudo aquilo que for possível”, fala sobre cortar ministérios (sem especificar quais), reforça a bandeira antiaborto da legenda e diz que Feliciano teve “participação exemplar” na liderança da Comissão de Direitos Humanos.
Sob o comando do deputado, a comissão aprovou o projeto conhecido como “cura gay”, que dava sinal verde aos psicólogos para tratar a homossexualidade. A proposta acabou arquivada.
“Acredito em ex-gays. A pessoa foi gay, amanhã não quer ser mais. Pronto, deixou de ser”, afirma Everaldo.
Suas ideias ganham aval de milhões de brasileiros. Ele aparece como terceiro colocado em pesquisa Datafolha feita no começo de junho, com 4% das intenções de voto –tecnicamente empatado com Eduardo Campos (PSB), que ficou com 7% na sondagem. Como a margem de erro é de dois pontos percentuais, o candidato do PSC pode estar com 6%, e o ex-governador de Pernambuco, com 5%.
Em entrevista à Folha, o cientista político Fernando Abrucio comparou a ascensão do pastor à de Enéas Carneiro em 1994, presidenciável de direita que aproveitava seus poucos segundos de propaganda na TV para bater na mesa e exclamar: “Meu nome é Enéas”. “Ele [pode] ser um fenômeno como o Enéas [que acabou em terceiro lugar].”
Everaldo rechaça o paralelo. “Com todo o carinho e respeito, até o biotipo é diferente.” Também se incomoda como rótulo de nanico. “Ninguém chama o PV, o PC do B assim, e somos maiores do que eles.”
‘ERRO UMA VEZ SÓ’
Cabelo esticado com gel para trás, gravata verde no pescoço, Feliciano acha que é hora de ir para frente.
Para ele, sua legenda, “de centro-direita”, é a única com “ideologia de verdade”. Ecoa discurso carimbado nesta manhã, citando a família (constituída sempre por homem e mulher) como o maior dos valores.
“O que todo mundo chama de conservadorismo nós chamamos de moral.”
Uma moral que petistas atropelaram quando Dilma chegou ao Planalto, afirma. O apoio que o PSC deu à petista em 2010, segundo Feliciano, não se repetirá. “Erro uma vez só.”
A convenção do Partido Cristão não é exatamente um fã-clube do Partido dos Trabalhadores. “Só de roubar uma cadeira de um petista, acho que já vale muito a pena”, diz Eduardo Bolsonaro, que tentará um cargo eletivo pela primeira vez, como o pai (deputado federal) e os irmãos Flávio (deputado estadual pelo Rio) e Carlos (vereador carioca).
De cabelo raspado a máquina, camisa social azul, o policial federal diz que pretende “seguir os passos do meu pai fazendo uma boa política em defesa da família”.
Balança positivamente com a cabeça enquanto Jair Bolsonaro sugere que Dilma case com Fidel Castro. Concorda: o atual governo quer “implantar uma ditadura cubana” no país.
Bolsonarinho filho também aprova quando Bolsonarão elenca suas bandeiras: pena de morte, prisão perpétua, trabalho forçado, redução da maioridade penal, planejamento familiar e revogação do desarmamento (“que só desarmou o cidadão de bem”).
Após postar no Facebook uma selfie dele com o pai na Assembleia, com a militância cristã de pano de fundo, Eduardo critica a Lei da Palmada, que veta castigos corporais como forma de educar os filhos. Em casa, lembra, quem mais dava “chinelada Rider” era a mãe.
DANDO UMA FORÇA
Dr. Rey também recorre à força. Posa para retratos com fãs, encostado num carro Pontiac Solstice preto, quando é surpreendido por um rapaz que lhe tasca um beijo na bochecha.
Irritado, empurra o beijoqueiro, mas é segurado por pessoas ao redor. “Me beijou, vou colocar para dormir”, diz, já sorrindo para a próxima foto. O garoto não quis se identificar e se resumiu a chamar o desafeto de “gayzão”.
Ele é a estrela da convenção. Distribui beijos a torto e autógrafos a direito, como um que rabiscou com canetinha vermelha numa folha de papel ofício: “Amigas da beleza! Chego a hora desse bela nação [sic]” –finalizou desenhando a silhueta de uma mulher nua ao lado de uma bandeira do Brasil.
“Já tentamos superesquerda e superdireita. Não funcionou”, diz. “O sonho que estou trazendo pro Brasil é completamente diferente, é como vir de outro planeta.”
Casado com Hayley, uma canadense aspirante a atriz, e pai de Sidney e Robby, o doutor de 51 anos mostra o anel de Harvard (“não sou bobo, ó”). Lá se formou e teve Obama como calouro, diz.
Rey conta que seu objetivo é levar o país natal, de onde saiu na infância para morar com o pai norte-americano, ao primeiro mundo. “Quero baixar os tributos loucamente, como [Ronald] Reagan fez. […] Algum dia quero dizer para o gringo: venha para o Brasil que não tem crime. Roubou bicicleta? Dez anos. Matou menina? 20 anos. Peidou na praça? Cadeia pra sempre. Regra de ‘three strikes’.”
É com essa missão que o cirurgião plástico de Beverly Hills estreia na política brasileira, após ser alegadamente cortejado por sete legendas (não revela quais).
Por que o Partido Social Cristão, então? “Esse partido entende que, se você destruiu a família, você destruiu a civilização”.