A cartilha eleitoral da CNBB
10/06/14 15:14“Ninguém pode exigir-nos que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional.”
Se papa Francisco falou, tá falado. Atrás de mais “influência na vida social e nacional”, como pediu o pontífice no ano passado, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) lançou uma cartilha com 29 diretrizes para o católico se ligar nas eleições de 2014.
Isso porque 2013 talvez seja um ano que terminou. “Depois das significativas manifestações de junho e julho de 2013”, ressalta a CNBB, o “discurso das ruas” evidencia a indigestão com “a maneira como os políticos eleitos vêm exercendo o poder”.
As respostas, contudo, não estariam nos protestos: para os bispos, esse “clamor contra o poder se torna fim em si mesmo e deixa, portanto, de ser verdadeira representação popular”. Aí que entraria “a intervenção dos cristãos na política, como eleitores ou como candidatos”.
REFORMA JÁ
A entidade evita fulanizar a política, mas levanta bandeiras claras, como a “democratização da mídia” e a “urgência da reforma política” –isso enquanto distribui panfletos com “cartões vermelhos” à Copa do Mundo.
A reforma política defendida prevê um novo sistema de eleições, com dois turnos: no primeiro, o eleitor vota no partido preferido; depois, cada sigla oferece o dobro de candidatos para o número de vagas que conseguiu eleger.
Por exemplo: na primeira rodada, o partido ganhou quatro cadeiras na Câmara; na segunda, terá que apresentar oito nomes para o eleitor.
“Isso obriga os partidos a elaborar programas diferentes uns dos outros. Hoje, são quase todos iguais”, diz dom Joaquim Mol, bispo auxiliar de Belo Horizonte, reitor da PUC-Minas e presidente da comissão da CNBB para Acompanhamento da Reforma Política.
TUDO IGUAL
Quase todos iguais são também os políticos, ao menos no imaginário popular, afirma dom Joaquim. “Eles, grosso modo, sofrem um repúdio, uma resistência, uma repulsa do brasileiro. Não existe categoria que fira mais a sensibilidade do povo.”
Nos moldes do Ficha Limpa, o projeto de lei de iniciativa popular endossado pela CNBB tem apoio de quase cem entidades, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral).
A proposta também quer vetar a doação de empresas para campanhas (“não é a porta, mas a porteira da corrupção”), elevar a 50% o mínimo de candidaturas femininas por partido (“isso tem a ver com sua condição de mulher, viu, Anna?”) e aumentar a participação popular nas decisões importantes do governo.
“Imagine um projeto de lei que queira vender e repartir a Petrobras. Essa decisão só poderia ser tomada a partir de um plebiscito, um referendo”, exemplifica.
Com o documento, os bispos convocam católicos a deixar de lado a ideia de que política e religião são a água e o azeite da sociedade.
Embora peça mais candidatos cristãos na cartilha, a CNBB não admite uma espécie de “bancada católica” no Congresso, algo semelhante à bancada evangélica.
“Achamos que não é o papel da nossa igreja. Aliás, achamos que não é o papel de igreja nenhuma”, diz dom Joaquim.
SANTINHO
Qual deve ser, então, o papel da Igreja Católica na vida política do país?
No século 20, intelectuais como Sigmund Freud estavam convencidos de que a religião era o novo apêndice: mais atrapalhava do que ajudava, e era questão de tempo até que a evolução secular a eliminasse do organismo social.
Se Freud não explica as eleições de 2010 no Brasil, há uma penca de marqueteiros políticos tentando entender quão importante ainda é, afinal, o voto religioso –aquele capaz de fazer o mesmo candidato comungar com padres, pregar ao lado de pastores e aderir ao Shabat dos rabinos, e se tiver um tempinho livre ainda jogar uma rosa pra Yemanjá.
A força política das igrejas imprimiu sua marca naquele ano, e a orelha da presidenciável Dilma Rousseff ficou mais vermelha do que bandeira do PT.
Em 2007, como ministra da Casa Civil de Lula, ela disse ser “um absurdo” que não houvesse descriminalização do aborto no Brasil, em sabatina da Folha.
O bispo de Guarulhos, dom Luiz Gonzaga Bergonzini (morto em 2012), não esqueceu. Ele foi responsável pela encomenda de 2,1 milhões de panfletos anti-Dilma que traziam um “apelo a brasileiros e brasileiras”: não vote em quem é a favor da “política antinatalista de controle populacional, desumana, antissocial e contrária ao verdadeiro progresso do país”.
Dom Joaquim Mol diz que, assim como em 2010, manifestações favoráveis qualquer candidato valerão puxões de orelha. “Não é nosso papel, somos padres e bispos. Essas pessoas serão advertidas como [dom Bergonzini] foi. ‘Padre fulano de tal, você não pode fazer isso. Você deve pedir desculpas à sua comunidade.”
Se o mensageiro pecou, a mensagem continua de pé. A visão da Igreja ainda é desestimular o voto a quem facilite o aborto, um “erro muito grave”, diz o bispo.
A união entre homossexuais, por outro lado, já não é vista como antigamente.
Nos últimos anos, a CNBB bateu de frente com a adoção de crianças por casais gays e a obrigação dos cartórios de registrar casamentos entre homossexuais.
No mês passado, deu sinais de que está aberta a diálogo. Fala, agora, que a vida a dois depende de “amparo legal”.
“Essas pessoas têm na sua escolha o direito à segurança legal. O que não podemos é considerar o casamento religioso”, diz dom Joaquim.
Mas dá para considerar um candidato ateu, segundo o católico.
Em 1985, o então senador Fernando Henrique Cardoso viu a eleição para prefeito de São Paulo voar pela janela após um debate na TV. O mediador Boris Casoy perguntou se ele acreditava em Deus. FHC gaguejou: ora, isso é uma questão de foro íntimo. Jânio Quadros colou a pecha de descrente no oponente.
Para dom Mol, “não importa se quem vai presidir o Brasil é evangélico, católico, ateu”. Faz mais diferença, afirma, ser coerente do que devoto.
“Até entendo que candidatos possam procurar igrejas em tempo de eleição, para dizer que respeita a relação institucional entre Estado e religiões. Mas se usar isso para expressar fé que não e verdadeira –alguém que nunca vai à Igreja Católica aparece na missa e comunga–, isso é hipocrisia pura. Não teria dúvida em dizer: ‘Não vote nesse candidato.”