Santa destruição
04/06/14 19:44Padres do sertão da Paraíba estão em alvoroço.
Um grupo formado por evangélicos, dizem eles, urinou, jogou gasolina e mandou brasa na imagem de Nossa Senhora. Isso tudo no sábado (31), na praça pública da pequenina Carrapateira, a 385 Km de João Pessoa.
“Esse escárnio” chegou aos ouvidos do padre Janilson Rolim, 32, que atua na paróquia de Cajazeiras, cidade central da região.
O motim começou com “um cidadão motivado por um pastor de nome muito engraçado, Poroca”, conta padre Janilson, que não sabe precisar quantas pessoas teriam aderido ao ato.
“Ele pegou a imagem de Nossa Senhora da residência de um parente dele e levou para a praça. Ofendeu publicamente autoridades políticas, católicos e o padre local. Todo mundo saiu de casa para ver o que estava acontecendo.”
O episódio de intolerância na Paraíba, segundo Janilson, não teve aderência dos carrapateirenses, quaisquer que fossem seus credos. “As igrejas católicas e evangélicas de lá, todos unidos se colocaram contra esse cidadão.”
O padre Agripino Ferreira de Assis assinou uma nota em desagravo após a “profanação”, publicada no site da Diocese de Cajazeiras.
Ele ressalta o artigo 208 da Código Penal, que estipula detenção de um mês a um ano, ou multa, àquele que “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”.
Vigário geral na região, Agripino diz que um boletim de ocorrência será formalizado em outra cidade vizinha, São José de Piranhas.
PEGANDO FOGO
Com cerca de 2.500 habitantes, segundo o IBGE, Carrapateira reproduz uma antiga polarização entre católicos e evangélicos. Se tem um ponto em que essa rixa pega fogo, é na veneração de santos.
O primeiro grupo acredita neles. O segundo, não.
Para católicos, por exemplo, uma estátua de gesso de Nossa Senhora é bem mais do que uma estátua de gesso de Nossa Senhora. Venerá-la é louvar a santidade em si. Mexeu com ela, mexeu com eles.
Evangélicos sacam uma passagem bíblica (“Êxodo”) para atacar o hábito litúrgico: “Não farás para ti imagem de escultura”. Santa, portanto, nem a senhora sua mãe.
É no segundo bonde que pega carona o polêmico pastor Luiz Lourenço, o Poroca, da vizinha Marizópolis (6.200 habitantes).
Seus vídeos provocam auê na internet. No mais famoso, de 2013, o homem de porte miúdo, com gravata de listras diagonais sobre camisa lilás com colarinho branco, garante que encontrou Jesus pessoalmente.
Nunca esqueceu a data: 9 de maio de 1998, Ele chegou numa nuvem, em Vitória da Conquista (BA). “Estive no céu com Deus, cantei com ele ao vivo.”
Na mesma gravação, Poroca critica o sumo pontífice da Igreja Católica. “Eu nunca vi papa com a Bíblia nas mãos, parece que eles têm nojo.”
Também desaprova a passagem de Francisco pelo país. “A vinda do papa não foi [para] adorar Deus, foi [para] adorar o demônio.”
Questões morais são frequentes nas pregações do pastor da Igreja Pentecostal Rios de Águas Viva Jesus de Nazaré o Maior do Mundo.
Em outra ocasião, durante entrevista à “TV Diário do Sertão”, ele afirma que “não pega bem” mandar fotos nuas pelo celular. Seria um recado a “essas meninas que estão no ‘Uapisapi’”, diz, errando o nome do aplicativo Whatsapp algumas vezes, enquanto a equipe jornalística ri no fundo.
Poroca, que não foi localizado para comentar os últimos acontecimentos, é visto como reflexo tragicômico de um Fla-Flu entre dois grupos religiosos. Exemplos afins não faltam. E não são de hoje.
Em 12 de outubro de 1995, no feriado da padroeira do Brasil, um bispo da Igreja Universal do Reino de Deus desferiu chutes e socos na imagem da santa durante programa da TV Record.
Há um ano, quando o papa Francisco esteve no Brasil para a Jornada Mundial da Juventude, peregrinos taparam os olhos enquanto um casal seminu cobria seus órgãos sexuais com símbolos sagrados para o catolicismo –como um quadro de Jesus Cristo.
Os dois participavam da Marcha das Vadias, no Rio. Na mesma performance, colocaram uma camisinha na escultura de Nossa Senhora Aparecida. Depois, fizeram caquinhos dela. Outros manifestantes seguravam cartazes onde o rosário formava um pênis.