O meu hijab é problema meu
11/03/14 22:48No projeto Humans of New York, Brandon Stanton posta na internet fotos dos humanos mais surpreendentes com quem esbarra no dia. Sara Samshavari é um deles.
Apareceu em imagem publicada na semana passada, ao lado de duas amigas muçulmanas. Nailah e Merazh posavam para ela com hijabs de oncinha e de estampa azul vibrante, combinados com coloridíssima maquiagem, batons fosforescentes inclusos.
Sara, de certa forma, quer mais é que o sucesso suba à cabeça de suas modelos. Nascida no Irã e criada na Inglaterra, a artista de 34 anos fotografa mulheres que usam seus hijabs, o véu islâmico, de formas criativas.
Brandon estava a caminho da academia quando viu o trio nas ruas do Brooklyn, em Nova York.
“Ele correu de volta, pegou sua câmera e, em seguida, compartilhou o meu projeto com seus seguidores, algo que disse não costumar fazer. O trabalho de Brandon ressoa com o meu, no sentido de trata de elevar em vez de explorar humanos”, diz Sara por e-mail, já de volta a Londres.
MENOS, MENOS
Sara nasceu em agosto de 1979. Dois meses antes, estourava em sua terra a Revolução Iraniana, revolta civil que expulsou a monarquia pró-Ocidente do xá Reza Pahlavi. No lugar, entrou uma teocracia xiita (corrente do Islã seguida pela maioria do país).
Xiita, nas bandas ocidentais, virou sinônimo de radicalismo, sobretudo depois dos atentados de 11 de setembro e a consecutiva fabulação do “Eixo do Mal” (Irã, Iraque e Coreia do Norte) pelo governo de George Bush.
O termo, em vez de enquadrar uma comunidade religiosa, é descontextualizado em frases tão aleatórias como “aquele pastor evangélico xiita odeia gays” quanto “alguns cinéfilos são xiitas ao ponto de odiar qualquer filme feito por Hollywood sem assisti-los primeiro” (já escutei as duas).
E quem adota o hijab, no senso comum ocidental, ou é xiita ou submissa a um. Menos, diz Sara. Menos.
Ela não é muçulmana: cresceu exposta ao bahá’i. Fundada no século 19, a crença prega a união das religiões –tem mensageiros como Krishna, Buda, Jesus e Maomé.
Hoje, não adere a um credo em particular. “Respeito as leis espirituais que acredito serem compartilhadas por todas as principais religiões.”
Muitos de seus parentes, contudo, ainda moram no país persa. Essas mulheres da família, diz, optam pelo véu em público, “e não necessariamente por não terem escolha”.
A artista relativiza o discurso de que o pano que cobre a cabeça das mulheres deve ser sempre encarado como opressão imposta por uma sociedade machista.
Essa posição é popular de Leste a Oeste.
Na França, vigora desde 2011 a “lei do véu”, que veta a vestimenta em lugares públicos. Determina uma cláusula: forçar uma mulher a cobrir seu rosto pode dar cadeia por um ano e multa de 30 mil euros.
Em 2012, uma apresentadora de telejornal no Egito pôde ir ao ar pela primeira vez com um hijab (escolheu um de cor creme). Antes era proibido usar véu nos meios de comunicação oficiais, ainda que ver egípcias cobertas nas ruas seja tão comum quanto encontrar meninas de shortinho e Havaianas no Rio de Janeiro.
BATALHAS
Sara já morou no Rio. Era bebê e lembra de poucas coisas (como o Cristo Redentor). Seus pais haviam fugido do Irã após a mudança de regime. Logo depois, ela venceu um câncer no rim, antes do aniversário de dois anos.
Diz que superar os conflitos no país natal e a doença a levaram a desejar fazer diferença por meio de sua arte. E fazer a diferença, para ela, significa justamente celebrar o diferente. Afinal, tem muita gente que quer ser vista por baixo do pano.
“Uma pessoa deve ter o direito de escolher a sua expressão, e parece que esse grupo é alvo de muito preconceito e abuso no Ocidente. Meu trabalho não é crítico nem defensor do hijab. Existe para reconhecer indivíduos fortes e vitais que conseguem brilhar, apesar do preconceito que possam receber como resultado da visibilidade de sua fé.”