A 'coach' de Feliciano
16/12/13 18:00A mulher que pôs Marco Feliciano no divã pretende, agora, seguir os passos de seu paciente.
E não é Freud quem explica: Marisa Lobo, 40, autodenominada “psicóloga cristã” e “sexóloga crente”, filiou-se ao mesmo PSC (Partido Social Cristão) do deputado-pastor que preside a Comissão de Direitos Humanos.
É pré-candidata à Câmara pelo diretório do Paraná e, no bolão interno, potencial puxadora de votos em 2014 –ao lado de outro político neófito, o cirurgião plástico Robert Rey, o “Dr. Hollywood”, e do próprio Feliciano, a quem chama de “meu mentor”.
Marisa se diz “coach” do deputado que hoje lhe guia na vida partidária.
A “amiga de longa data”, me diz Feliciano por e-mail, foi de grande ajuda, dando consultas informais.
“Houve alguns momentos turbulentos no início da minha presidência na comissão. Seus conselhos foram de grande valia, e sua preocupação com minhas filhas me sensibilizou muito.”
Ele retribuiu o favor. “O primeiro conselho foi para que ela se filiasse a um partido que defendesse suas ideologias, o que fez sem pestanejar.”
Por celular, o presidenciável do PSC, pastor Everaldo Dias Pereira, a define como “mulher brava no bom sentido”, alguém que lutará pela “causa da vida e esse negócio contra maconha”.
Em abril, ele e Ratinho Jr. conduziram a cerimônia de sua filiação à sigla, em Curitiba.
NA MORAL
As bandeiras de Marisa se ajustam às do partido como a calça verde coladinha que usa. Assim como seu estoque de polêmicas.
Inaugura assim nossa entrevista: “A psicologia está uma vergonha. Moralize a psicologia! Estão tentando me fazer de homofóbica a qualquer custo”.
Chego às 13h no local marcado para a conversa, um café do aeroporto em Congonhas. São Paulo é escala entre Curitiba, onde mora, e Salvador, seu destino, onde participaria de um evento evangelizador com jovens.
Marisa já está lá, encolhendo os ombros –vazados num decote estratégico da blusa social preta.
Parece chateada porque o marido, Jofran, um sujeito baixinho com polo listrada que nos espera na mesa ao lado com seu pratinho de salgado, esqueceu de tirar Bíblia e Constituição da mala. Despachou junto a chance de Marisa posar para os retratos carregando seus dois livros prediletos.
Mas sua grande briga, no momento, é contra o Conselho Federal de Psicologia –que ameaça cassar seu registro de psicóloga.
Ela é acusada de apoiar a “cura gay” e de associar psicologia e religião nas redes sociais (“minha fé não nego por nada, nem pela minha profissão”, afirma no Twitter). Ambas as práticas ferem o código de ética da categoria.
Marisa nega. Diz que no consultório, onde recebe “de ateu à gente do candomblé” em sessões de R$ 100, jamais ofereceu tratamento para a homossexualidade (também atende por Skype).
Como poderia ser preconceituosa?, ela indaga. “Meu cabeleireiro é [gay], meu médico de pele é.”
Lembra que já acolheu por sete meses em casa “um homossexual pai de santo travesti com Aids”, para quem “minha empregada não queria lavar as roupas”.
“Eu mandava ele parar de fazer as macumbas dele [risos]. O Thiago Felipe. Acho que [o nome de mulher] era Taísa. Morreu no hospital. Pediu para eu ler a Bíblia, disse que não queria ir para o inferno.”
BULLYING
Marisa paga R$ 258 por mês para fazer uma pós-graduação em filosofia dos direitos humanos —não divulga em qual entidade por temer represália.
“Sofro bullying faz tempo. Todas as faculdades [de psicologia] falam de mim como a pior profissional do mundo, a mais antiética. To-das.”
“Falando como cristã”, ela acredita ser possível reverter o desejo por alguém do mesmo sexo.
“Comportamento homossexual é pecado. A Marisa Lobo psicóloga não entra nessa questão. Mas a Bíblia diz. Ponto final.”
“Se o desejo é não desejar pessoas do mesmo sexo, isso é direito humano dele. Se a pessoa pegar a chave do armário e se trancar lá dentro, ótimo, problema dela”, conta enquanto esfola com os dedos o guardanapo onde, segundos antes, repousava uma xícara com cappuccino e um sachê de açúcar.
Na pós, ela defenderá com unhas cor rosa-chiclete e dentes esbranquecidos seu trabalho de conclusão de curso. Tema: “Perseguição ideológica a religiosos”.
Marisa está escrevendo um livro sobre “ditadura gay”.
“Explico como uma teoria não-científica ‘queer’ de desconstrução sexual, criada por LGBTT, vem sendo ensinada no mundo acadêmico e ganhando espaço social, nas redações humanas, influenciando leis, mídia, novelas, educação.”
Esse discurso, continua, “desconstrói claramente a heterossexualidade, imputando a ela o crime da imperfeição”.
“Psicopatas da Fé” é outra obra sua. Por e-mail, no dia seguinte, me fala um pouco sobre o título:
Os psicopatas manipuladores estão em todos os lugares no meu livro falo especificamente sobre pessoas que se tornam líderes religiosos, ou se servem de uma religião para alienar pessoas através da fé, pela via da sedução, manipulação. Diferencio líderes religiosos comprometidos com Deus de oportunistas, dos que se dizem, por exemplo, cristão com intuito de alienação. Hoje em dia muitos psicopatas se infiltram na igreja para fazer delas celeiros para seus crimes e temos que saber o perfil desses e denunciá-los ou ao menos nos defender deles. Psicopatas da fé são os piores, pois usam a ingenuidade da fé para aplicar golpes de toda natureza. Não são convertidos, pois não se convertem ou acredita em nada a não ser neles mesmo e no seu ego e na sua busca por prazer.
QUEM TEM FAMA
Marisa vem ganhando projeção entre evangélicos. Cobra de R$ 500 a R$ 1.000 para palestrar sobre temas como sexualidade da família e transtornos psicológicos.
Para o camarada Feliciano, “Marisa era apenas uma voz, hoje é o eco de milhares”.
As opiniões de sua “coach” têm eco em Brasília. Na Câmara, ela se destacou em audiências públicas sobre o projeto de lei que quer derrubar a norma do Conselho de Psicologia que proíbe tentativas de inibir a homossexualidade.
Nos corredores do Congresso, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) é desavença declarada. “Hahaha, ele? Acho um sortudo. Hoje a pessoa sai de um reality show e vai direto se candidatar, e nem todos têm perfil para isso.”
A ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil) já a convidou para o lançamento de um programa de combate ao crack, o que enfureceu ativistas. A “psicóloga cristã”, que criou o projeto Maconha Não, endossa internações compulsórias de dependentes e repasse de recursos para comunidades terapêuticas religiosas.
Ela fala da aproximação da petista Gleisi sem descer do salto alto (15 centímetros, no mínimo, para aumentar seu 1,56 m). Os valores de Marisa e do PT seriam “óleo e água”. “É improvável que um cristão se alie a um partido que já nos ofendeu tanto e só se aproxima em época de eleição, nos usando como idiotas úteis.”
A psicóloga formada na Universidade Tuiuti do Paraná chegou à conclusão: todas as causas que abraça abrem alguma porta do seu passado.
Dois exemplos:
1) É contra drogas pois tinha uma amiga com diabetes que tomava “muito vinho e maconha” e acabou morrendo. “Fiquei numa tristeza muito grande. Tentei jogar meu carro embaixo de caminhão 3 vezes. Era muito questionadora, ser ou não ser, eis a questão…”
1) Se milita contra o aborto e a legalização da prostituição é porque seu pai, o espírita Washington, conheceu sua mãe, a católica Claudiana, na zona. Ela queria interromper a gravidez e saiu de casa quando Marisa tinha seis anos. “Sei como é ser chamada de filha da prostituta.”
O pai, “alcoólatra que bebia remédios para emagrecer porque era vaidoso e teve uma vida bem difícil”, hoje é evangélico e casado com “um anjinho”.
A filha também se converteu já adulta e hoje, frequentadora da Igreja Batista, coleciona “de Bíblias a aventuras”. “Faço rafting, rapel e arvorismo. Quando estou me divertindo com esses esportes de turismo-aventura fico imaginando Deus neles, e isso me deixa muito feliz.”