Países onde ser ateísta é literalmente mortal
11/12/13 23:25Em 13 países do mundo, ser ateísta, humanista e/ou sem religião é pecado de pena capital.
Recém-lançado relatório da ONG Iheu (Internation Humanist and Ethical Union), chancelada pela ONU, mapeou esse “intolerômetro” (dá para fazer o download gratuito aqui).
Eis o G-13 da intransigência: Afeganistão, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Irã, Malásia, Maldivas, Mauritânia, Nigéria, Paquistão, Qatar, Somália e Sudão.
Segundo a Iheu, a legislação prevê pena de morte para quem cometer apostasia (abandono de uma fé) em 12 desses lugares. Já no Paquistão, pode morrer aquele que blasfemar –não crer em Deus, sem dúvida, “promove” qualquer pessoa a réu.
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Mas a punição letal não é a única forma de oprimir descrentes.
A ONG observa que países de população majoritariamente muçulmana tendem a ser mais radicais –onde são mais comuns casos como o do blogueiro ateísta de Bangladesh assassinado com uma machadada. A liberdade religiosa, no entanto, não é tão unânime assim no Ocidente.
“Leis contra ‘insultar’ a religião, em países relativamente seguros e seculares, não são apenas análogas às leis de blasfêmia mais cruéis em qualquer lugar no mundo. Elas ajudam também a sustentar a norma global na qual o pensamento é policiado e punido”, escrevem os autores do estudo, Kacem El Ghazzali e Alber Saber.
Eles identificaram 55 países com leis antiblasfêmia ou contrárias a críticas ou “insultos” à religião. Em 39 deles, o réu pode ir em cana.
No Ocidente, seis nações receberam a segunda pior avaliação (“discriminação severa”) numa escala de cinco: Islândia, Dinamarca, Nova Zelândia, Polônia, Alemanha e Grécia. Todas elas permitem despachar “blasfemos” para a cadeia por até três anos.
E tem as sanções legais. A revista alemã “Titanic”, por exemplo, afundou num tribunal de Frankfurt após publicar a imagem de Jesus crucificado recebendo sexo oral de um clérigo –apologia aos escândalos sobre pedofilia na Igreja Católica.
E EU COM ISSO?
A tolerância no Brasil é tachada pelo relatório como “em sua maioria satisfatória” (segunda melhor avaliação).
Destaque: o artigo 5 da nossa Constituição, que garante liberdade de crença (ou não crença, no caso). Se há privações à liberdade de expressão no país, concluem os autores, ela é democrática em sua antidemocracia, sem pôr ateístas como alvo preferencial.
Daniel Sottomaior, 42, presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, joga uma água nada benta nesse chope libertário.
Para ele, os intolerantes que aqui gorjeiam podem até não gorjear como lá, mas fazem barulho. Ele diz, por exemplo, que o ateísta sofre preconceito em vários estágios da vida, da bronca de professores na escola à rejeição em entrevistas de emprego.
Lembra, também, que qualquer político safo jamais ousaria duvidar da existência de Deus numa eleição, receoso do “milagre” da subtração de votos.
Inevitável lembrar da titubeada de Fernando Henrique Cardoso na corrida à Prefeitura de São Paulo em 1985. Declarações do tucano à época deram margem para que adversários colassem nele o rótulo de ateu maconheiro. Na reta final, melindres do eleitorado provavelmente custaram votos a FHC. Vitória de FHC.
“O político pode até ser mau caráter, mas sabe que se declarar ateu é sentença de morte”, diz o militante Daniel –que na internet já ganhou apelidos como “o bispo Macedo do ateísmo”.
Outro caso destacado por ele: um garoto que se recusava a orar antes de jantar. “Os pais se encheram, e a mãe segurou suas mãos para rezar enquanto o pai batia nele”.
No Censo de 2010, 14,6 milhões de brasileiros disseram não ter uma religião. São o segundo maior grupo populacional, atrás apenas dos católicos –vale lembrar que evangélicos foram fracionados em várias denominações.
OS AUTORES DO RELATÓRIO
Kacem El Ghazzali é presidente da Associação de Ex-Muçulmanos na Suíça.
Alber Saber, um ateísta criado numa casa de cristãos coptas. Em 2012, ele lançou no Egito o filme “Inocência dos Muçulmanos”.
Como retaliação, o ativista de 27 anos foi tirado de casa por uma multidão enfurecida e, depois, agredido na prisão –um guarda havia anunciado seu “crime” na frente dos companheiros de cela. Após pagar fiança, ele foi liberado, fugiu do Egito e, hoje, vive escondido.
O QUE SERÁ, SERÁ
Descobri essa pesquisa (uma boa dica de Roberto Dias, editor de mídias digitais da Folha) no dia em que a “Time” divulgou o papa Francisco como personalidade de 2013, numa galeria que inclui de Adolf Hitler (1938) a Martin Luther King (1963).
Por acaso, horas depois, numa daquelas conversas de internet que viram baião-de-dois de léu com créu, um amigo lembrou da irônica autodefinição lançada pelo cineasta Luis Buñuel (1900-1983) em suas memórias, dois anos antes de morrer: “Sou ateu, graças a Deus”.
Não sou dessas que descarta a importância da religião “em pleno século 21” –para lançar mão dessa expressão batida, de entrelinhas encharcadas com a ideia de que os tempos atuais são dos homens modernos, livres do suposto “ópio do povo”.
Pessoalmente, não vejo por que defender nem um mundo com nem um sem religiões. Acredito que, em sociedades multiculturais, cada um que tire as medidas da própria carapuça.
Por isso abordo a descrença em Deus num blog batizado Religiosamente.
No post de apresentação, escrevo a quem talvez seja “católico, evangélico, espírita, muçulmano, judeu, budista, hinduísta, corintiano ou adorador de bacon torradinho na manteiga”.
Torço para que professar sua crença, ou a ausência dela, não signifique um auto-de-fé para ninguém. Que isso não se repita, vá lá, em pleno século 21. Graças a Deus, aos deuses, ao Mano Menezes ou à frigideira de teflon.