Esse pai de santo bombado sou eu
06/11/13 12:10O pai de santo Léo de Ogum pede licença um minutinho e atende seu iPhone 4, protegido por uma capa dourada da Ferrari (em alto relevo, o logo com um cavalo empinado sobre as duas pernas traseiras).
Do outro lado da linha, um de seus “filhos de santo” busca socorro. Parece problema com mulher. Logo depois, batem na porta da salinha de nº 608, que ele aluga por R$ 700 num prédio velho da rua Barão de Itapetininga, no centro de São Paulo. Entra outro “filho”, com camisa Calvin Klein verde e sorriso amarelo. Carrega, aflito, a foto da ex-namorada. Quer a garota de volta.
“Ajudo muita gente, hein? Mas não é fácil, não”, diz Pai Leo, dono do rosto e dos músculos que chamam a atenção (não necessariamente nessa ordem) em dezenas de cartazes pelo centro de São Paulo.
Durante a próxima hora, ele conta como “fecha o corpo” –jargão umbandista para uma espécie de blindagem contra maus fluidos– dos “filhos de santo” que compõem sua eclética clientela (R$ 50 a consulta). E sem discriminar: atenderia de policiais a membros do PCC, diz.
Garante já ter “livrado” estrelas globais “de muita coisa”, citando um ator conhecido por seu problema com drogas (o mencionado não confirma a visita).
Fala dos presentes que já ganhou da prole espiritual. Para “os churrasquinho”, bois inteiros. Para “as baladinha”, garrafas de Red Label –tira algumas de uma bolsa vermelha a seus pés (preço na etiqueta: R$ 79 cada).
Diz que recebeu até automóveis –desliza o dedo pelo iPhone para mostrar a foto posando com um Astra azul “tunado”, com portas que abrem para cima, tipo carro do Batman. Aproveita e exibe fotos de meninas simulando a “duck face”, ou “cara de pato”, ou a arte de se autofotografar na frente do espelho fazendo biquinho para a câmera e cantarolando Anitta mentalmente (pre-pa-ra).
Mas não é fácil, não. “Eu coloco minha cara pra bater”, diz o Rei dos Videntes por autodefinição, guerreiro espiritual por vocação e lutador (iniciante) de UFC que um dia já foi “trincado” e que agora está “precisando perder a barriga”.
Gosta de se diferenciar de pais de santo que prometem “trazer o amor perdido em três dias” nas casas das mães joanas, nos terreiros dos pais joãos.
Ele expõe nome, telefone e foto (“o que ninguém faz”) nos panfletos que cola pessoalmente pelas ruas. Apresenta-se como “Pai Léo de Ogum Sensitivo”, numa daquelas fontes de Word bonitinhas, com letra de mão dada. Está aí, diz, para enfrentar o tribunal da opinião pública. “Vou me sentir feliz de estar sendo julgado.”
A cara pra bater aparece entre uma imagem de Ogum, “orixá do ferro, da guerra, do fogo e da tecnologia”, e outra de Iemanjá, a rainha do mar. Na imagem: um homem de regata branca justinha, colares de miçanga transpassados no peito, grossas correntes de prata no pescoço e tatuagem de uma outra corrente, “a de Zumbi dos Palmares”, no muque esquerdo (também tem uma tattoo de São Jorge cobrindo todo o peitoral). A cara é fechada, numa expressão que caberia ao rapper 50 Cent descobrindo que secou a vodca premium de seu frigobar.
‘MATERIALISTAS E GANANCIOSOS’
“Enquanto os Seres Humanos Forem Materialistas e Gananciosos E Pensar em si Propio eles Nunca Vão Solucionar e proporcionar a Cura dos Seus Propios Problemas.”
A mensagem de Pai Léo, com texto e caixa alta fielmente transcritos acima, resume bem a ideologia que o rege e que ele me expõe ao longo de 15 minutos: nós, homens, somos muito apegados a bens materiais.
Coisas como baladas, uísques, e roupas. É como escreve em seu site, o seuamordevolta.com: “Não negue que bens materiais ajudam a ser feliz, mas nem toda riqueza do mundo substitui um abraço e o carinho de um verdadeiro amor. Muitos poderosos e ricaços vivem na solidão de seu isolamento”.
Sua filosofia é a seguinte: “O ser humano precisa devolver pra natureza o que ele tirou dela”. Se vai tudo bem na vida do sujeito, e ele de repente é vítima de “facada, bala perdida ou acidente de carro”, é porque ele está no vermelho com a mãe natureza, que tanto lhe dá sem receber nada em troca.
Ele fita o fotógrafo Gabriel Cabral nos olhos, inclinando a cabeça pra frente. A voz me lembra um diretor de escola querendo saber por que o aluno voltou do recreio com olhos vermelhos e sorriso abobalhado:
– E você, já devolveu pra natureza?
– Plantei um abacateiro outro dia.
– Maravilha, show de bola.
É o tal do equilíbrio astral e natural. Para ajudar seus “filhos”, Pai Léo pode, por exemplo, ir a cachoeiras. Chegando lá, devolve para a água um peixe vivo, que adquire num pesque-e-pague da vida e preserva numa caixa de isopor.
Outra “missão” que assumiu para si é a de propagar a cultura afro-brasileira numa São Paulo que “precisou de muita massa negra pra estar onde está”.
“Sou muito perseguido por pessoas preconceituosas”, afirma, lembrando da dificuldade que às vezes tem ao colar cartazes nos estabelecimentos de portugueses, italianos e chineses. Os últimos são os que mais incomodam: “Gente que vem pra cá roubar nossa cultura”.
ANTES DE SER PAI
Antes de Ogum, ele foi o menino Leonardo Teodoro, filho de um pedreiro com a caseira de um dos sócios do curso Objetivo, nascido em Ilhéus, Bahia, “há praticamente 40 anos”.
A família se mudou para Guaianases, zona leste de São Paulo, e depois Vila Mariana, zona sul. “Viemos por necessidade, né, que todo mundo passa.”
Estudou até a 8ª série do ensino fundamental e, quando criança, pegava “aquele resto” que sobrava nas feiras. Fuçando lixo, achou um livro sobre orixás. Aos 10 anos, ganhou a primeira conchinha de búzios, de um hippie. A linha direta com o universo dos orixás começou aí.
Pai Léo se iniciou novo no candomblé. Afastou-se por “não suportar a matança de animais”, como bodes e galinhas, e desde então enveredou-se por uma linha mais “soft”, a umbandista.
Já foi segurança do Hospital Samaritano, “aquele que pega todos os boys”. Seu ganha-pão, hoje, vem do trabalho espiritual.
Entre as entidades que conta receber estão Pai Joaquim, descrito por ele como um branco que ajudava a libertar negros no século 19, “mais ou menos um padre”, e Zé Pelintra, um tipo malandro, “que adora atividade de puteiro”.
Na salinha mal iluminada com luz que vaza pela persiana amarela, um tênis Nike jogado no canto, restos de macarrão instantâneo numa cumbuca e várias joias femininas.
São os adereços que Pai Léo oferece às “pombas-giras”, como colares e brincos de pedras vermelhas. Essas entidades femininas, geralmente retratadas com olhar provocador e longas saias rodadas, cigarro em mãos e um trago no copo, seriam as “periguetes” de hoje, ele compara.
O pai de santo tem uma versão própria para a origem das pombas-giras. Volta à época em que a mulher é forçada a casar durante a inquisição. Acaba traindo o marido (“um negro ou um branco mesmo”). É expulsa de casa e solta no mato. Destino: um cabaré. “A cafetina pegava pra fazer dinheiro.” Depois são perseguidas, por enfeitiçar o marido das mulheres “de bem”.
Desta vez é a mim que Pai Léo encara. Vai por aí: hoje, as pombas-giras encostam nas “mulheres bonitas”, que podem “fazer tudo o que elas não podiam” no passado. Diz: se eu, “com os olhos azuis”, colocar um brinco, um colarzinho, beber uma vodca, fumar um cigarro na noite… Viraria um para-raios delas.
Maravilha, show de bola.
Na própria vida pessoal, Pai Léo diz estar solteiro por opção –é, afinal, “sensitivo” e saca quando “mulher tudo gosta de dinheiro”.
Em seu site, explica assim: “Olho Gordo, Mau Olhado e Inveja destroem a vida de qualquer um, são ‘micróbios’ que ao olho nu não podemos enxergar o efeito eletromagnético. Para mim, Pai Léo, não é invisível. Quem tem a mediunidade sente os efeitos, assim como o vento, sentimos, mas não enxergamos. Eliminados esses males com os perfumes das ervas das folhas e vegetais que eu trabalho para extirpar todo o fluído dos micróbios que impregnam estabelecimentos, sua vida amorosa”.
Seu site também destaca o tarô do amor. Alguns tópicos trabalhados: “ejaculação precoce”, “sexo mais ardente”, “emagrecer” e “firmar-se no emprego”.
Proponho um teste: tire as minhas cartas. Algumas coisas eram bem genéricas (que mulher não é “guerreira” e quer “mudar o cabelo”?); outras, surpreendentemente pontuais (como uma viagem que farei em breve e o tipo de médico que há meses estou adiando).
Pai Léo de Ogum diz que foi chamado de “bruxo” na infância, após adivinhar que um coleguinha cairia da bicicleta e se machucaria feio (“quase ficou paraplégico”). Hoje parece bem à vontade em ser quem é.
Agora, quatro dias depois de visitá-lo, uma frase sua não sai da minha cabeça: “Antes de me julgar e me condenar, procure me conhecer primeiro”. Procure saber.